pós três atos'

Derluh Dantas
Três fatos distintos me provocaram profunda imersão em mim, saudade intensa se transbordou e o silêncio superficial ocultava um barulho estridente da alma. Perdoe-me os períodos longos, as redundâncias e possíveis confusões, aqui falo apenas de verdade. Verdade é coisa simples, mas que provoca uma inversão contraditória no cotidiano social. Vamos aos fatos:

1) Queixei-me com uma amiga sobre o sumiço e indiferença de outro amigo nosso. Falei das tentativas de contato e da total falta de resposta, interesse, cuidado da outra parte e por fim me queixei dos afastamentos sem despedidas, sem aviso, sem perceptível consideração. Ela, por sua vez, alertou que nenhuma distância é unilateral, que o afastamento ou fim de um relacionamento envolve ambos os lados.
2) Um conhecido, daqueles que sobrevivem ao tempo, me questionou sobre meu relacionamento com algumas amigas. Ele lembrou-me que eu convivia muito com aquelas meninas, mas há um tempo ele somente me vê sozinho e na maioria das vezes sem qualquer companhia. Pediu desculpas e perguntou-me se algum fato havia ocorrido para minha aparente solidão e afastamento.
3) Uma literatura antiga e inacabada, aquele livro que a gente gosta de ler, se delicia com o enredo, com a magia do começo se afastou. O livro foi perdido por um tempo, sabia que outro alguém lia, alterava a capa, amarelava as páginas, coisas comuns a livros em uso. Acidentalmente, assim digamos, foi reencontrado numa tarde de domingo, não foi empréstimo ou devolução, só um tempo curto para suprir algumas lacunas do enredo, foi bom reler o conto, mas provocou novas dúvidas, novos desejos, mas a literatura já não é a mesma.

Três fatos distintos e em diferentes momentos, coisas que me fizeram mergulhar no infinito perturbador de uma alma anciã com síndromes de menino ainda pequeno. Eu quero pirulito, quero gritar que “tô de mal” - querendo que o outro me peça desculpas-, quero chorar em berro alto e que todos se acomodem na tentativa de mais um mimo pra mim. Ando querendo carinho e já não suporto essa universalização das coisas. Não, não foi um afastamento que desejei, eu tentei contato, eu corri atrás, eu soprei brisas de abraço e até pedi garoas de sentimentos com lembranças dos tempos idos, mas o outro simplesmente não me deseja por perto, soube está se afastando dos velhos amigos e eu me tornei mais um personagem qualquer de folhetim nacional impopular. Não tenho optado pela solidão, não me afastei das antigas amizades, mas as histórias foram se desenhando assim. Tenho uma nítida e objetiva sensação que enquanto o tempo corria, o tecido se fiava, eu fui aquele personagem que foi ficando e apenas assisto muitos partirem do lugar, da história, do enredo ou literatura. Sobre a literatura do terceiro ato, não sei, não consigo elaborar melhor esta história sem dar spoiler, eu preciso vivê-la um pouco mais, porém já não sei se há oportunidade ou paciência pra isso.

Pois é, Tempo... Algo tem se partido, tem se perdido, tem se transformado, mas minha alma ainda que inteira, sente muitas faltas.




Rosa dos ventos'

Derluh Dantas

Então, tenho me tornado uma poesia opaca, um quadro sem rima. Algumas lágrimas se afiguram, alguns risos estardalhaçam. Eu tenho fugido da hipocrisia, mas tenho me afundado nela um pouco mais a cada dia. A vida de adulto impõe regras que não consigo assumir, porém já não sei ser leve como fui quando criança. Há um prazer particular, bem verdade. O riso já se faz mais barulhento e o choro um tanto mais sutil. Vou disfarçando a zona de conforto e já não sei onde consigo descanso. O mar ainda se faz encanto, convite, mas já não consigo me entregar a ele como antes. Não tenho mais paixão por gente viva, tudo são fantasias e lembranças, sem desmerecer o encanto de algumas gentes. O que tem acontecido comigo?! Eu não sei o nome, mas sei muito bem o que sinto: Saudades de tudo aquilo que ainda não vivi, dos planos que não aconteceram, dos encontros que pareço estar perdendo... Momentos! Dizem que eu amadureci e esse seria o conceito corrente.

Sussurrando concreto

Derluh Dantas

Algo foi perdido. O tempo tem sido desculpa pra depois. O espaço tem sido desejo de saída, mas não se encontra caminho pra isso. Tudo tem se tornado insosso, sem tempero. Houve uma ousadia, o corpo foi pintado pelo desejo da alma, porém precisou ser travado, secreto, ocultado. Há uma conspiração para deixar de ser gente, deixar de ser carne, fome, mundo. Os passos são pesados, o sorriso mais estridente, mais raro. Nenhuma falta é maior que a ausência da paixão, do anseio. O que tem acontecido com a idade? Comigo? Não consigo mais conto, prosa, poesia... As palavras se formam e caem perdidas pelo jardim sem flor. Faz-se primavera, faz-se luar, mas minha alma se guarda e some repartida em fotografia, sono, silencioso clamor. Por que essas palavras? Uma tentativa dissociativa de retorno, saudades de Cristina, saudades da intimidade e do sentido sem pudor. De algum jeito sinto esperança, mas vejo-a adormecida, não consigo abrir seus olhos, ouvir seu canto, tudo neblina e distância. Por mais que eu pense ter encontrado meu autorretrato, menos nítido percebo a existência de minha imagem, daquilo que realmente sou ou desejo ser.

Do domingo'

Derluh Dantas

- Essas palavras não são sobre uma população ou para generalizações, estou apenas falando do meu olhar sobre o mundo.

O domingo é um dia mágico, mas pra isso é preciso desligar a televisão, tirar os olhos do celular, sair do sofá. No domingo, as crianças não estão na escola e se você conhecer alguma, a diversão está garantida: tem jogo de bola, tem picula, esconde-esconde, descobrir o mundo mágico do quintal ou até um maravilhoso “faz de conta”. Os adultos podem sentar em volta da mesa por mais tempo ... e conversar alto, rir, falar das besteiras que o ambiente de trabalho muitas vezes não permite. Sim! Pode haver algumas chateações, alguém falar ou fazer algo que te faz um tanto ferido, mas caso respire fundo e insista, a chateação se dissipa no segundo subsequente e ninguém ficará sem oportunidade de expressão e cura – isso vai depender da insistência de fala. Você pode descalçar os pés e sentir a terra ou grama fazendo cócegas nos dedos, se tiver oportunidade de praia... paraíso se faz presente. Caso chova, o domingo pode ser aquele lugar de reunir alguns amigos, abrir aquele vinho que já tinha sido esquecido no armário ou vai ali à mercearia da esquina, compra qualquer sangria pra esquentar o diálogo e algum salgadinho. No domingo você pode receber aquela visita que as esperanças já não existiam mais, caso ela não aconteça, você bem que pode ser a visita maravilhosa daquele amigo tão querido e que a atual rotina tem afastado do convívio.


Quase sempre meu domingo começa com meu despertar de um sonho maravilhoso, ele provoca saudades que eu achava já superadas. Domingo costuma me simbolizar nostalgia e falta, dia que o baú não se fecha e o pôr do sol é ainda mais poderoso e sentido que os outros. Domingo, o primeiro dia da semana, faz jus à primeira sílaba, é um dom... e pra todo grande Dom, faz preciso assumir os riscos e responsabilidades! Entendo que o caminho que optar será de sentidos intensos, seja pro bem, pro mal ou pro tédio que tanto reclamo aos domingos. Mas, não precisa me salvar desse domingo dos dias dos pais, foi um dia maravilhoso, de terra e mato. E mesmo com tantas farpas e palavras não ditas, brigas por besteiras do convívio ou divergências políticas, tenho uma família ambígua, diversa, vasta, maravilhosa e há amor paterno, tenho um ótimo pai. Domingo!

Lembrando e agora'

Lembrando...
Aquelas falas ficaram mais ou menos assim na memória:

“Seu coração é cigano, vai substituindo amores e paixões. Aposto que não ficará sozinho nem três meses e logo estará fazendo declarações de amor eterno de novo.”
“Você sufoca uma flor ainda em semente. São muitos cuidados, carinhos, não há broto que resista a tanto zelo.”
“Ainda é muito cedo pra isso. Acho que você estar mergulhando fundo demais por alguém que você nem conhece.”

Derluh Dantas
E agora...
O menino agora estava com seu baú aberto na beira do abismo. As mãos já não são tão macias, os olhos perderam um pouco do brilho. Os cabelos negros apresentam alguns traços brancos e a barba é um multicolorido desgrenhado e opaco. A melodia mudou o ritmo e os instrumentos musicais são mais cadenciados e suaves. As palavras ficaram escassas e muitas vezes o embate fica na confusão de pensamentos, nos lábios uma palavra qualquer apresenta uma concordância para evitar maiores danos [desnecessários]. Naquela música do “Velho e o Moço”, ele já não se encontra em nenhum dos lados. Tudo anda meio ralo, mas ele se tornou mais próprio, mais inteiro, mais sincero, até mais passional que de costume. Talvez, ele tenha aprendido a dor e prazer de ser sozinho e queira de vez em quando um intervalo disso, mas já não aceita qualquer ilusão ou mentira sincera. Na pista de dança, ele ainda fecha os olhos, mas os movimentos são mais decididos, as mãos são mais sutis, a voz já não se ouve em qualquer multidão – são raros os momentos de pista, mas há muita dança no reservado de seu quarto, quando ninguém está vendo. Acho que o tempo nos faz mais amante do silêncio, nem todo barulho é desejo, nem todo desejo vira som. Realmente, o menino que eu era se entregava nos mergulhos profundos, o coração era cigano, os amores e paixões eram livres para o terreno fértil que meus pensamentos me permitiam. Hoje parece diferente, o espelho já não varia tanto a imagem do sujeito que se olha, se desnuda, se mostra... Eu acho que já não fantasio tanto, tenho me tornado apenas uma fantasia distante de mim mesmo.

- Não há sequer uma mentira nas falas acima... Mas, não aceito qualquer condenação sobre minhas tentativas, apenas confesso que sinto falta das paixões e amores livres de regras temporais e morais, sinto extrema saudades e falta do ser cigano de meu coração. Infelizmente, hoje só tenho esse baú platônico de sentimentos não correspondidos e algumas cicatrizes luminosas na alma. E nunca fui do tipo de substituir amores, apenas vivi inteiramente cada um deles em seu próprio tempo.


- perdi a tranca do baú -
- as acusações não procedem -

Floresça!

Derluh Dantas
Eu tinha escrito outra coisa, mas em nada pareceu o que minha alma queria falar. Assim sendo, recomecei e esse é o produto do meio... Eu de frente para um rio que tem formas, movimentos e destinos de mar. De pés descalços e lágrimas nos olhos, na mente um samba próprio de duas porções mistas e difusas. Eu menino, eu mulher, eu bicho. Diante do rio ou do mar, minha força se desfaz em magia e minha fé se afigura em anjo sem gênero definido. Eu tenho medo, eu tenho fome, eu tenho defeitos que me tiram o sono. Diante do mantra e do meu disfarçado desespero, eu me descubro jardim, que mesmo aparente silêncio e fim, ainda cresço e luto pelas cores que me são de formação e direito. “Não precisa se envergonhar desse medo, pega ele nos braços e segue adiante. Mesmo que pareça escuro e perdido, assume a fé que te guarda e arrisca um passo de cada vez.” Assim, minha porção mãe carrega o menino que sou e sussurra em meu ouvido a necessidade de descanso e recomeçar/arriscar de algum jeito. Ao outro que encontro pelo caminho, ando meio isolado do mundo e de mim, mas não se sinta abandonada/o por mim, ainda lhe guardo em lembranças, sentimentos ou desejo e levo em meu peito um abraço apertado e querido, um colo e chamego.

Blessed be!

Diálogos de mãe'

Derluh Dantas
- Venha, filho! Sente aqui na beira da saia de sua mãe, quero lhe contar um sonho que tive essa noite. E enquanto conto esse sonho, quero afagar seus cabelos, senti sua respiração.
O menino, que sempre que a mãe chamava pra prosa se tremia de medo, sentiu doçura e certo pesar na voz daquela mulher doce e forte ao mesmo tempo. Mulher de muitas rugas e dores, mas que guardava nos olhos e nos cabelos ainda negros uma energia vivaz, o desejo quase material pela vida e suas coisas.
- Diga, mãinha!
- Calma, menino. Chegue mais perto.
Ele meio tremido foi se aproximando do sofá que a mãe estava sentada numa posição aparente confortável. Quando ela pousou suas mãos naqueles cabelos desgrenhados, começou um afago gostoso, que só mãe sabe dá... E começou seu conto:
- Menino, sempre confiei muito nas coisas que alguns chamam de Deus e eu gosto de chamar da vida. Essa noite eu sonhei que você sumia dos meus braços ainda bebê e quanto mais eu te procurava, mas você sumia. Houve um momento que me tomei de desespero, entre soluços, eu começava a gritar seu nome, mas pareceu que você era quem se escondia. Eu começava a ficar irritada, quando percebi que cada vez que você se fazia mais distante, mas era nítido o seu choro, o seu medo, o seu desejo de sumir dos meus braços. Acordei no meio da noite, supostamente pelo ronco e mal dormir de seu pai. Ao acordar, fui ao banheiro e passei pela porta do seu quarto e fui ver seu sono. Percebi que você e sua irmã dormiam tranquilos. Voltei pra cama, mas o sono já havia sumido. Deitada, olhando a escuridão do quarto, eu percebi que não era apenas um sonho. Há muito tempo que não conversamos mais, que pouco sei sobre você. Não sei o que você faz quando some por horas. Não sei mais as músicas que ouve, os filmes que assiste, não conheço mais o seu passatempo preferido. Fiquei me perguntando o porquê dessa distância tão grande, se moramos na mesma casa, somos mãe e filho. Então, lembrei-me de uma conversa que ouvi meio de auto, entre você e sua irmã. Você disse: “tenho medo que mãinha descubra, ela não me perdoaria nunca” e vocês perceberam os passos e cessaram a conversa. Aquilo ficou incomodando alguns dias, acho que o sonho veio daquela conversa.
O menino que já deixava algumas lágrimas escapulirem dos olhos, tentava disfarçar o soluço. Mas, a mãe continuou seu conto, tentando não parecer rude, nem assustar aquele adolescente que agora parecia mais um menino desmamado e com medo.
- Depois do sonho, eu não quis conversar contigo imediatamente e falar sobre essa conversa que ouvi entre você e sua irmã. Fiquei feliz por vocês terem segredos juntos e por não estarem brigando como sempre. Eu fiquei feliz em ver a cumplicidade que sempre cobro de vocês, essa cumplicidade de amigos, de irmãos. Mas, o sonho me fez lembrar também do conteúdo da conversa e da fala que eu ouvi. Filho, em que momento você achou que sua mãe não te perdoaria por qualquer coisa? Eu sempre te digo que amor de mãe é incondicional, porém pensando muito, acho que dizer apenas não é suficiente. Em algum momento do meu papel de ser mãe, eu devo ter te apresentado a falsa visão de juíza. Não é esse meu papel. Mas, refleti muito sobre minha relação com a minha mãe e lembrei-me dos meus segredos guardados dela. Sempre temos nossos segredos, principalmente dos nossos pais. Mas, daí pensar que o seu segredo se revelado me faria te amar menos!? Isso me doeu profundamente. Eu sei que te apresento expectativas, que eu e seu pai falamos dos nossos desejos pra vocês, dos nossos planos, mas eu sempre apoiei que você caminhasse com suas próprias pernas e não vejo nenhuma escolha que você possa ter feito, fazer-me eu te amar um milímetro menos. Eu não te chamei pra perguntar ou descobrir seus segredos, mas eu só quero te dizer que eu te amo muito e não precisa se esconder de mim para você ser quem é, eu sempre vou te admirar, eu confio em você, te carreguei em meu ventre por nove meses e não é porque você saiu dele à 14 anos que eu não confiarei ou amarei você.
O menino tentou elaborar algo pra dizer, mas quando esboçou um som, que pareceu apenas o suspiro de alguém que havia se esquecido de respirar por alguns segundos, a mãe o interrompeu e continuou:
- Sim. No meu sonho, eu acordei antes de conseguir te encontrar e me senti totalmente desolada por não te ter em meus abraços, ao te ver dormir meu coração ficou mais sereno, mas ainda não conseguia dormir. Agora aqui, falando contigo, tantas coisas que eu queria que você soubesse, mas não há nada mais importante pra você saber do que isso: Eu sou a sua mãe e te amo independente, independente não. Melhor, eu te amo justamente por quem você tem se tornado a cada dia, por cada escolha, cada briga que eu vejo você se empenhar, como defende seus ideais e seus amigos (mesmo eu não gostando e concordando com muitos deles). Eu te admiro e te amo cada vez mais com os detalhes que você deixa escapar da sua vida, de você. Eu não sei quais são os seus segredos, ou os que você julga esconder, mas cada coisinha que você faz, que você escreve, que você expõe para o mundo, mesmo achando que eu não vejo, eu me orgulho cada vez mais de você e consequentemente de mim também, eu criei um filho lindo e eduquei um ser humano maravilhoso.
Antes que ela conseguisse elaborar a continuação de sua fala, o filho se levantou num pulo e abraçou bem apertado e entre soluços ele disse:
- Mãe, eu só queria a ‘sinhora’ soubesse que te amo muito e que eu tenho muito medo de decepcionar a ‘sinhora’.
- Oh, meu filho!
- E um dia eu prometo te contar tudo, tá bom?
A mãe riu com uma malícia no olhar e disse:
- Tudo bem, meu filho. Mas, só entenda que mesmo que ache que tenha feito algo que me decepcione ou me fará me afastar de você, saiba que eu sou sua mãe... O mundo todo pode te julgar ou punir, ou apontar o quanto você errou, mas eu te carreguei nove meses, eu te limpei as fezes no meio da noite, eu não durmo enquanto você não chega, enquanto não veja você respirando aconchegado em seu quarto, mesmo que Deus ou Diabo venha dizer o quanto você tá errado, eu vou te admirar e lembrar-me de tudo que passamos até aqui e o quanto eu tenho a agradecer por eu ter sido escolhida entre milhões pra ser sua mãe. Não precisa ter medo das rugas do meu rosto, das reclamações de minhas dores ou do quanto pareço velha... Eu sempre serei cheia de vida enquanto eu ver você e sua irmã respirando e fazendo suas próprias escolhas.
Nesse momento, os dois já choravam juntos. A mãe chorava lágrimas de cumplicidade e amor, o menino de alívio por achar que ainda tinha segredos ou que se fossem descobertos ele não seria tão punido assim. Ficaram alguns momentos abraçados e a mãe irrompe o som daquelas tantas emoções com uma ordem:
- Agora vá buscar seu boletim! ...

Um bolero acontecido

Derluh Dantas
Segura a minha mão. Não precisa ter medo. Eu só quero te mostrar todos os meus segredos e encantos. Mas, pra isso eu preciso de todos os seus sentidos apurados e desnudos.
- Silêncio -
Eu preciso que me responda, eu necessito saber sua vontade. Não me deixa ser autoritário ou invasivo. Os segredos só podem ser revelados com a cumplicidade do desejo.
- Sorriso -
Essa meia-lua que se desenha em seu rosto, o que significa? Eu devo dar mais um passo? Devo retroceder alguns outros? Ou aguardo aqui, no mesmo lugar, até que você apresente a sua vontade? Estou confuso e meus segredos parecem mais profundos. Eu quero, mas meu querer precisa correspondência, cuidado, parceria.
- Silêncio -
Não sei se isso é indiferença, não sei se é timidez, estou confuso. Ao mesmo tempo em que me fecho por não achar alento, você segura minha mão e sorri. Você se aproxima, mas não permite abraço, beijo. O que você deseja de mim?
- Sorriso -
Meus segredos fugiram para o telhado. Meus encantos se borraram, perderam o tom e parece um desastre anunciado. Meu sorriso amarelo se fez presença, minhas mãos já não sabem onde devem pousar ou como parar de tremer. Tudo parece nebuloso e frio. Você não vai, não chega, não se aproxima, não permite, não me deixa.
- Silêncio -
Olhei em volta, meu desejo era que os segredos fossem nossos, uma partilha a dois... Mas, ao olhar as estrelas do céu, só por um segundo – calculava minha percepção - você se perdeu em outros braços, os beijos ali pareciam fáceis e fartos. Lágrimas sutis.
- Sorriso -
Tudo bem! Eu fico feliz pela sua “conquista”, pela sua desenvoltura e destreza sensual. Você tem uma luz quente e conflituosa. E minha alma retoma os segredos, eles são meus de novo. Ainda sou capaz de me apaixonar. Acho que combino com tempestades intensas.
- Silêncio -
Foi loucura meu desejo de te levar aos meus encantos e segredos. Somos feitos de coisas diferentes. Eu sou de carne e desejo, você prefere jogos de conquistas e julgamentos. Não há melhor ou pior nessa comparação, somos apenas distintos. Agora, depois da tempestade e com a terra molhada, o rio revigorado, as ervas daninhas crescidas, eu sei que sou novamente inteiro, próprio, poesia.
- Som e riso -


Opinião, sinto muito!

Derluh Dantas
Eu que deveria começar pelo começo, não sei ao certo onde ele se encontra, como o desenhar ou reconhecer em meio ao caos. Sinto que de alguma forma eu deveria começar pelo dia atual, dizer sobre os acontecimentos, mas seria retórica vazia. Sendo assim e por tantos outros pontos, não sei qual deve ser o começo, lanço-me desse jeito:

“Minha opinião!” Parece uma frase inofensiva, não deveria doer em ninguém. Parece uma falácia boba, um conto qualquer na quitanda de Seu Sardão. Porém, essa máxima costuma acompanhar uma lança afiada, que crava lá no fundo de algum peito e se demora muito a sair. Não precisa ser objetiva, às vezes, ela é só uma fala perdida numa conversa fiada. Mas, alguém ouve, alguém sente que aquela “opinião” lhe estraçalha um tanto a alma tão bem guardada. “Foi só uma opinião!” Infelizmente ela não fica vazia no espaço, surgem outras que comungam de sua energia e acaba crescendo. E cada vez que a “opinião” ganha adeptos, mas a alma se machuca, infecciona, faz doer o resto.

Talvez, você diga que a responsabilidade não é de quem “opina”, mas é de quem a ouve e a leva consigo, poderia deixar ali naquele papo bobo, naquele novelo perdido, naquela nuvem cinzenta de dogmas e “verdades” inverídicas. Contudo, aquela “inocente forma de ver o mundo”, que se diz da opinião, é como um veneno eficaz, pode não ceifar a vida imediatamente, mas, de certo que aquela ladainha, vai destruindo a alegria e o sentido de alguém, pouco a pouco, até o sujeito definhar completamente e sucumbir ao dito de outro dia.

“Por que falo isso? Como sei dessas coisas?!” É simples, já me escondi no quarto pra chorar das “opiniões ou verdades” ouvidas. Lembro-me de uma amiga que ocultou sua crença e seu rito, cansada da “opinião de que ela celebrava e chamava pelo Mal”, ela foi escondendo a sua “escolha”. Até um dia que ela rendeu sua alma e foi fingir outra fé, hoje ela parece mais cansada, mais triste, porém afirma que encontrou sua “salvação do mal”. O mais grave é que hoje ela desfaz e julga das suas “antigas irmãs”. Tem se tornado um sujeito sisudo e amargo, crente de muitas regras e “Verdades”, se tornou dona delas e de outras mais.

Eu poderia citar a cor da pele de alguém, que “ninguém discrimina”, mas costuma ter uma “opinião” de como a tonalidade interfere no caráter ou na beleza ou mesmo na capacidade de aprender e se relacionar. É comum partilhar a opinião do gingado baiano, da sexualidade do negro, do cabelo bom ser o liso e o ruim ser aquele cheio e frisado. Falam que “negro isso ou aquilo”, quando é um de tom claro e “traços finos”, vem só o pronome “ele”. “Como ela é linda” – quando a moça é “branca”. “Que negra linda” – precisa detalhar? Parece que toda vez que um ‘não-branco’ tem sucesso ou qualidade, isso é exceção. Mas, quando o caso é justiça e equidade, vem a “opinião” ou “teoria” tão bem arraigada de que “somos todos iguais”. Que conveniente essa opinião sem reparação.

“Gordo que é feliz”... Mas, “é preguiçoso e só pensa em comer”. “E essa barriga de chope”, mesmo que a pessoa nem beba ou beba, e daí? As pessoas por terem “opiniões tão dignas de expressão”, esquecem-se que o cativo da opinião tem espelho em casa, tem olhos, mãos, tem sentidos que lhes apresenta aquela informação, sem precisar de “uma opinião” pra lhe trazer a “verdade”.

Voltando ao começo... Eu poderia narrar tantos exemplos, dizer de tantos contos e encontros. Porém, a dor incapacita um tanto e não quero me enveredar em exemplos. Meu desejo é expressar um lamento pela “opinião” tão descaradamente lançada como arma, ainda que não seja determinado tão claro seu alvo. Eu quero falar desse lamento.

“Minha opinião!” não diminui o peso da dor que certas palavras provocam. Somos sim responsáveis pelo mal ou bem que expressamos e oferecemos ao mundo. Um dia, uma opinião qualquer, foi sentida tão profundamente em meu peito, que até hoje quando ouço sua variação, a dor aumenta, lembra-me de sua existência, faz lágrimas correrem. Quando você traz uma “opinião” como uma verdade universal, como elemento de emoção/comoção, como um argumento para qualquer discurso ou dor, ela se torna uma doença crônica – pra você que não consegue ir além da miudeza de sua visão; e para o outro que ao sentir aquele dito, se sente desprotegido, é contaminado por uma dor, uma depressão, um veneno de difícil absorção ou antídoto.

Sobre as opiniões que são afrontadas, debatidas, as pessoas ou se reservam à burrice da agressão vazia e pejorativa ou trazem argumentos soltos de fontes não pesquisadas, não refletidas, só lanças atiradas e a velha ladainha da “liberdade de expressão e isso é A Minha Opinião” (em aparente grito e exaltação). Em ambos os casos, jeitos, há mais perdas que benefícios. Para ser mais preciso, eu acho que o único benefício de “algumas opiniões” é percebermos que quem a sustenta precisa de ajuda, mas é teimoso(a) demais para admitir ou aceitar. Assim, contra a rocha “inabalável” que alguns se tornam em defesa da “opinião própria”, só nos cabe tentar diminuir o dano de quem sente, de quem é gente, de quem vive.

Seres vivos costumam sentir, crescer, mudar, se machucar, aprender – tudo meio sem ordem visível. E o “não mudo minha opinião”, fica ali, correndo em um ciclo viciado e vicioso, cultivando pragas, pecados, injúrias, afastamentos.

Eu que pensei em falar da dor de quem se machuca com a opinião alheia, acabo não deixando de falar do mal que o “opinador” causa em si.

Calma, amigo(a)! Algumas vezes sua cruz vai pesar e machucar um tanto mais, isso faz parte de seu cansaço, do seu maravilhoso dom de sentir, sentir muito. Quando pensar que o mundo se contaminou de “opiniões” nocivas e afiadas, respira fundo e permita-se descansar em um abraço, em um colo, nos lençóis. Eu que me senti tão inútil e incapaz, sei que me importo, eu me preocupo, eu me doo por você e posso sentir o quão maravilhoso(a) você é em meio à essas “inocentes opiniões próprias” sobre “tudo”, seu jeito, suas vestes, suas cores, sua fé, seu amores, ritos, você...

Agora que minha alma se perdeu no chão frio e meu corpo tenta puxar ela de volta pra dentro da casca, eu quero dizer pra você, ainda que seja apenas um leitor, um alguém, que eu o/a amo. Eu o/a amo por cada luta que você travou, arriscou. Sobre as suas perdas ou das coisas que desistiu, eu te entendo, eu sinto como você. Mas, antes de explodir aquilo que você é ou se tornou, pra colocar um ídolo qualquer, um personagem que alguém traçou e desenhou pra você, seja forte... Você já chegou até aqui e agora eu afirmo, no fundo você sempre soube, você não está sozinho. Há quem se importe, há quem brigue pela expressão, pelo desenho desse seu sorriso (torto, desdentado, sincero, largo, estridente), SEU SORRISO na sua face, em sua alma.

Quem preferir “opinar” ao descaso da vida, opine... Mas, saiba que sua opinião nos machuca, faz sangra, faz doer. Pode até matar alguns, pode silenciar outros, corromper, mas no processo o bem permanece. A verdade é uma traidora das massas, das argumentações, das feras. A verdade é vitoriosa na grande Batalha. E pra cada alma que você destroça com sua “liberdade de expressão”, nós – as vítimas dessa sua consciência distorcida e brutalidade travestida de erudição – nos tornamos mais fortes e humanos. Entenda que nossa fortaleza é na construção da liberdade, do amor e da justiça, ainda que tropecemos e erremos em muitas tentativas, nos descobrimos mais humanos e nos damos conta de que podemos nos perdoar, podemos te perdoar.

“Minha opinião só diz respeito a mim” – Então para de cuspir ela na vida e alma dos outros. Ou continua, é sua escolha... Seu cuspe tem servido de irrigação a novos sonhos e planos, seu veneno tem servido de fertilizante à nossa expressão mais legítima e revolucionária. Se eu lamento, é pela dor que você nos provoca, mas me cabe também agradecimento. Graças à sua ignorância e fixação em dizer aquilo tanto que somos, cada vez mais descobrimos o que não queremos ser. Não quero ser de pedra, pedras podem conter energias, brilho, poder... Mas, seres vivos são mais falhos e divertidos. Essas lágrimas provam que eu sinto e muito. Não há nada de errado em sentir.

Agora seria o ponto para um fim... Mas, como o começo foi confuso e o meio tortuoso, eu deixo a conclusão com você. Ainda que eu tenha apresentado tantas “opiniões”, prefiro lhe oferecer um abraço apertado, depois de um tempo de descanso nele, a gente fala mais sobre isso, aquilo, outra coisa e tal. ABRAÇO!


Nota do autor: O abraço é um oferecimento real, sinta-se abraçado ou reivindique a expressão do mesmo por comentário’s. Seja livre pra “Opinar” a beleza de estarmos/sermos vivos desse ou daquele jeito. O abraço pode ser nossa arma por um mundo melhor, quando nele deixamos transbordar respeito, empatia, amor

elementos de inspiração'

Derluh Dantas
A madrugada chegou silenciosa e úmida. Lá fora, a chuva não cessa, mas diminuiu o tom de seu canto. E mesmo já cabendo o sono, eu ainda busco aquela música ouvida de relance no início da noite. A música, agora descoberta, toca insistente no quarto escuro. O desejo de se desfazer, virar nuvem e bailar junto ao som que se choca nas paredes azuis. Que desejo de mudar de forma, perder os limites, se desmanchar em sentidos.
“Ah! se a juventude que esta brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só pra ser um sonho
Daí então, quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria
E, depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse, eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz”¹
Não resistiria nem um pouco. Seria feito abraço e algodão doce, não me incomodaria em ser distração ou perdição. Quem sabe até eu fosse mais eu, depois de ter uma companhia que inspirasse tentativa, risco, ousadia. E como esquecer? A comida feita com tanto apreço e sem outro alguém pra degustar, se queixar da falta de sal ou elogiar a criatividade do arroz com ricota. Durante a noite, o filme “Sob o Sol de Toscana”² e os desejos que a vida insiste em mesclar com outros encantos e contos. Sem me desfazer do romance lido durante a tarde e do diálogo que mostrou: “portanto, manter a caixa fechada apenas mantém você no escuro, não o universo”³. E assim se desenhou uma sexta feira de muitos santos e encantos. A borboleta que fez visita e logo se apressou em voar. Da chuva que conseguiu uma brecha pelo telhado e molhou-me o meio da face, que me fez assustar e arrepiar. Talvez, você não entenda do que eu fale agora, mas é um retalho de uma sexta solitária e o jardim fértil ao amor brotar.
“Fica, oh brisa fica, pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim, queira ficar”¹
- Felicidade então seria –




Notas de Rodapé


¹ Letra da música “Eu e a Brisa” de Johnny Alf.

² “Sob o Sol de Toscana” - filme americano de comédia romântica de 2003, escrito, produzido e dirigido por Audrey Wells e estrelado por Diane Lane.


³ Fala da personagem Jane em “Will & Will: Um nome, um Destino”, romance de David Levithan e John Green, do ano de 2010.

Depois do ponto.

Derluh Dantas
Desculpas
Meu bolero anda meio borrado
O disco arranhou com meu silêncio
Meu desejo escapuliu pela janela
Agora eu grito
Peço um amor sem nome
Um sorriso brilhante e reluzente
Não quero compromisso,
Eu desejo
Intensidade do fugaz
Tenaz
Encontro intenso.
Quero fogos,
Balões.
Não me julgue,
Estou cansado de artifícios.
Quero só voo e brilho
Se quiser ‘para sempre’
Chegue e faça ninho
Há negociação
Só não me peça seriedade
Como disse:

Quero riso!

Que tem de mais no 13 de maio...

Derluh Dantas
Nossa cor
Disseram que era imoral e impura.
Mal sabem da noite
Da necessidade do escuro.
Nossa religião
Perseguiram, disseram que era do demônio
Impuseram sua salvação.
Da nossa cultura,
Chamaram de bruta e pré-histórica
Esqueceram-se de onde vieram os humanos
Seus utensílios e ritos,
A sua própria história.
Antigamente usaram ciência e religião
Para justificar que éramos inferiores
Dignos de escravização e exploração.
Servos do senhor branco.
Agora que conquistamos mais espaços
Eles tentam nos retroceder, dizem que o crime tem cor
Que somos naturalmente violentos e imorais
Nada sabem de justiça e história
Parecem idiotas em folhas brancas e pardas
Há até folhas negras querendo ser alvas
De tão lineares e rasas
Não foram usadas pelo dom da criação.
Papel costuma ter valor,
Quando rabiscado e escrito
Marcado pelo poder de sua luta
Potência de seu grito.
Hoje não comemoro a assinatura
Mas, lembro-me dos meus ancestrais
Daqueles que não são Tias Anastácia,
Nem Tios Barnabé.
Comemoro os que fizeram resistência e revolução.
São os Quilombolas e capoeiristas
A umbanda e o candomblé
O 13 de maio é uma falácia.
Respeitem meu cabelo,
Minha pele e seu tom.
Respeitem meus ritos,
Minhas crenças e minhas contas
O canto que entoa em minha alma
E minha casa
Deixem-me ocupar os espaços
Os públicos e privados,
Sou membro ativo dessa nacionalidade.
Negro e digno de respeito
Direito e representatividade.
Nunca fui escravo,
Sim, fui escravizado pela brutalidade branca
Pelo dominador corrupto e imoral.

Por enquanto, tem mais.

Verde idade'

Derluh Dantas
A cada dia ele se aproximava,
Deixava um botão de flor e uma poesia
O botão era cravado na terra
A poesia em guardanapo usado.
Seus lábios sempre denunciavam um sorriso
Mas, seus dentes nunca surgiam
Como as palavras
Aquelas que escapuliam pela sua íris
E não eram ditas pelos seus lábios.
A sua língua era um mistério
A poesia sempre de outro autor.
A curiosidade alheia começava a aumentar
O que queria aquele sujeito?
Seria um ensaio tolo de amor?
O sujeito permanecia em seu ritual
Todos os dias, ele surgia com a flor e a poesia
Mas, não conseguia sua prece, seu intento
Surpreender aqueles olhinhos marejados
Aqueles olhos que faziam questão de não percebê-lo,
E chorava por outro amor, um mal correspondido.
Mas, ele sabia que sua magia era perigosa
E sua alma se alimentava daquele jogo de fé e esperança
Até que um dia,
...
Ele não mais apareceu na pracinha.

Aquele (des)conhecido!

Derluh Dantas
Não, não existe esse jogo com tantas regras e limites estipulados. Não há uma cor específica, um jeito único, um cheiro próprio, algo que seja universal e incondicional. Acredito que quando o sentimento é sincero e legítimo, subverte essa lógica tão bem implantada de nosso sistema, quando é pra ser não há competição. Cabe o aceitar ou o fingir que não está ali. Mas, não é uma contracorrente de técnicas e trejeitos. Amar é saber encontrar aquilo que se deseja no espontâneo, no sutil, no explícito. Não há adjetivos para o amor, ele é por si só totalidade. Se é preciso inventar verdades, dissimular mentiras, criar outras histórias, julgo que não há amor. Eu acredito que o amor seja o encontro, encontrar com aquele “eu” que a gente tem medo de assumir. Amar, amar é saber que há defeitos grandiosos e umas tantas qualidades duvidosas ou ambíguas e mesmo assim se sentir inteiro e em sorriso. Há quem ache que há um livro que determine o amor válido ou inadequado, há quem acredite que existem pressupostos para ser ou não ser considerado amor. Porém, quem pode saber? Quem teria esse dom de conhecer cada cosmo, cada variação, cada possibilidade? Se houve esse alguém ou se há, quem poderia conseguir ler todas as suas anotações, considerações, exceções, detalhes? Quem poderia entender? Paremos por um segundo, olhe em volta, o que está fora do lugar? O que excede pela borda de nossa existência? Em minha sincera opinião, as pessoas inventaram tantas regras, teorias, tecnologias, significados, que se perderam da empatia, do respeito, do natural, do comum. Tanto faz se seu amor é de dois, três, mil... Que importa a cor do cabelo ou o tom de pele? Não deveria importa a fé ou religião, quanto mede o diâmetro de seu abdômen ou se há vírgulas ou não. O amor, ele é liberdade, ele é revolução. E se você discorda do que eu digo, isso é legítimo. O que eu sei sobre amar? Sei pouco, eu prefiro permitir a diversidade de sentidos, do que me esgotar em tentar encontrar limites.


Ah! O que eu disse?! Deixa pra lá...
Seja livre para sentir, para amar.

Fonte da imagem: http://nu.alem.art.br/
Projeto belíssimo.

Pode ser

Derluh Dantas
Depois de tanto tempo, pela primeira vez que me lembre, meu coração está completamente desocupado. Claro que há um espaço cativo dos amigos e amigas, da família, de alguns artistas e talentos anônimos. Mas, não há mais aquela paixão unilateral, aquele amor dito platônico, aquela vontade de beijo quente e acordar de manhã com um olhar acalentado. As suas fotografias ainda mostram belas formas, mas já não me afeta as borboletas do estômago, acredito que elas estão em casulo de metamorfose. Não vou me desculpar das vezes que tentei você do meu lado, das declarações que te fiz ou de ter enchido os ouvidos de meus amigos com minha ânsia de possibilidades e desejos surreais. Não devo nada. Pela primeira vez, que eu me lembre, já não se faz dor nem chuva aqui dentro. Está tudo devidamente empacotado e num lugar que já não ocupa espaço, não causa sentidos. Talvez, amanhã eu chore uma vez mais, eu sorria feito bobo pela lembrança daquele sentimento, mas hoje, nesse exato momento eu sei, eu sinto que ele já não se faz presente. A casa está vazia, eu tenho vontade de sair, olhar o mar com outros olhos, sentir a brisa em arrepios libertários. A casa precisa de novos móveis, mas dessa vez eu escolho a mobília, eu decido o som, a cor das paredes, essa casa é minha. E não precisa se desculpar ou se mobilizar em defesa, dizer que não é culpa sua... Eu sei que não é. O sentimento aconteceu em mim e eu quis alimentá-lo, mesmo sem ter muita noção disso. Tudo em você me causava encanto, hoje você continua um encanto, mas sua magia natural já não se faz efeito em mim. Hoje me sinto livre, me sinto renovado e já não preciso de um amor pra ser feliz. Hoje, a paixão ou o enamoro que eu possa ter, é pela pessoa que me olha diante do espelho e diante dele me faz perceber a necessidade de sorrir, querer, acordar, levantar, estar vivo. O bom de tanta rejeição e desencontro, de algumas desculpas e silêncio, é que no desespero da decepção e da frustração, eu acabei descobrindo muito sobre mim, acabei sabendo o valor de minhas lágrimas e do meu sorriso. Agora, eu posso pular, andar, correr sem precisar alcançar alguém, já posso curtir melhor as surpresas do meu caminho. E caso me procure ou queira conversar, tudo bem... Só te lembro de que minha fonte mudou de água e de lugar. Hoje eu posso e quero estar sozinho. Ah! não pense que essas palavras denunciam que penso em você, que ainda quero amor, essas palavras são apenas sobre o desejo que hoje habita em mim: Coração limpo, alma leve, Liberdade sem fim!

Eu Albatroz'

Derluh Dantas
Sou albatroz,
Não aceito migalhas,
Não consigo muito bem me enturmar,
Mergulho no azul do alto,
Alimento-me do azul profundo.
Do meu algoz sinto raiva,
Mistura de pena e desvio
Cedo-lhe perdão e maldição,
Não sou do tipo que cabe às salvações.
Meu pecado é ter asas,
Meu temor é não saber pousar.
No meu bico ecoa o grito,
Na minha escolha, opto por um único amar.
Não se faça rogo,
Minha morte é prenúncio de mau-agouro
Minha vida, sinal de sorte e majestade.
Se quiseres desfazer minha existência em contraste,
Saiba que em minha vida,
Eu só me curvo diante da grandeza oceânica,

Da divindade Mar!

PETERSON RICARDO DE OLIVEIRA.

Derluh Dantas
Peterson Ricardo de Oliveira. Você conhece? Já ouviu falar? Ele tem 14 anos e não poderá saber o que vem depois dos rompantes e inconstâncias da adolescência, não chegará a ser adulto, não terá os dilemas de que curso irá tentar no ENEM, não vai planejar as próximas férias de verão. Ele foi morto pelos “coleguinhas” de escolas, aqueles que defendem a “família tradicional” e que pensam no “melhor” para nossas crianças. Dizem que ele foi espancado por cinco colegas na escola, aquela que ele estudava desde os seis anos de idade. Os cinco colegas são “heróis” para alguns, eles defendem as piadas diárias, a chacota, eles fazem coro que “homofobia” não existe, “é viadagem dessa galera alternativa que vê problema em tudo”. Desde os seis anos de idade ele convive diariamente com as “brincadeiras inocentes” de crianças que vivem num “lar normal”, os coleguinhas do adolescente são filhos do amor e do bem incentivado pelos pais heterossexuais e de bem (não pense que todo heterossexual é bom, alguns ensinam respeito e amor aos seus filhos – coisa muito progressista e vanguardista pra outros, para os pais dos cinco provavelmente). Peterson foi morto e convivia com seus algozes diariamente, dizem que o motivo era o amor de seus pais. Peterson foi condenado por um crime que alguém inventou, possivelmente os pais e professores de seus carrascos. Peterson foi morto porque não era filho de um casal ‘normal’, foi morto por ser cuidado, amado, educado, respeitado por um casal homoafetivo.

Peterson, agora eu queria falar contigo, espero que possa me ler onde quer que esteja nesse vasto universo pós-morte. Peterson, sua vida não é menos importante que a de quem quer seja, você foi morto, mas nem por isso será menos amado por aqueles que puderam conviver contigo. Você não está sozinho e mesmo que tenha medo, não pense que seu medo é algo errado, você pode confiar em alguém. Não permita que lhe digam que você é menor ou menos digno, você foi uma flor plantada no jardim da vida e por ser tão belo e bem cuidado, alguém teve a infeliz ideia de querer lhe arrancar de seu caule, por isso te peço perdão. Perdão por alguns ainda se acharem melhor ou maior do que você, acho que as pessoas têm medo do amor, o amor bem sucedido assusta, prova a falha de algumas escolhas, prova a ineficácia das regras e tabus preconceituosos. O amor é sempre amor... E mesmo que alguém lhe diga que sua vida é menos digna pela forma que ama, veste, fala, convive, não se assuste, você não está sozinho e tem gente que quer lhe estender a mão, lhe fazer abrigo, cuidar de ti. Perdão, Peterson, perdão e espero que onde quer que esteja não deixe os carrascos vencerem. Mesmo com o medo que deve ter sentido e a raiva que sentimos ainda vivos, eu espero que você opte sempre pelo respeito e pelo o amor. Do outro lado da vida, tenta continuar sendo o menino que seus pais lhe ensinaram a ser e se for possível, semeia um pouco de amor aos vivos que ainda estão a labutar pela vida. Aos seus pais, perdão. Perdão por eu não ter corrigido meu colega de trabalho que pensa que ser bom é ser apenas heterossexual; ou minha vizinha que tem amigos gays, mas não aceita suas práticas e os vêm como bichinhos exóticos para o mal; perdão por não ter alertado e respondido a piada sem graça de meu tio sobre homossexualidade; perdão por não ter convocado uma manifestação ou ter saído da zona de conforto do meu sofá; perdão pela sua dor ser tão imensurável; perdão pela sua perda... Eu não consigo conceber um argumento válido para que o relacionamento de vocês, seja motivo para matarem seu filho ou quem quer seja, mas eu ainda me calo. Perdão pelo meu silêncio frente a essa opressão diária. Perdão, perdão por saber que teremos outros Petersons, outros Bobbys (esse tirou a própria vida por não aguentar o amor materno de sua mãe, tão boa cristã, que não o aceitava e o tentava curar de ser homossexual) e outros tantos ainda sem nome nas lápides e terrenos baldios... Perdão por sermos tão racionalmente brutais.

... lágrimas me rasgam à alma ...

Sobre asas e tatuagem


Qual bebida você usaria no final? O que cairia bem com a despedida? No meu caso foi uma xícara de café amargo, que conveniente [risos]. O fim não era declarado, não havia acordo do que aconteceria daquela porta pra fora. Tiramos o lixo, varremos os cômodos, tomamos uma xícara de café e minha alma gritou lá de dentro que aquele seria o nosso final, o último encontro, a última correnteza de trégua e companhia. Os lábios tremeram um pouco, mas a vida foi decisiva, não haveria reencontro por um longo tempo. Durante anos, uma das partes lançava algumas palavras escritas ao mar, do outro lado eram lidas com o sangue manchando a alma, as lágrimas correndo à face. Depois de outros anos decorridos, houve tentativa do outro lado, mas aquelas palavras ao mar limparam aquele lado da ilha, as folhas secaram, era outra relva, outra melodia. Mas, o que dizer sobre essa lembrança daquele café amargo e os banhos de ‘chuva’ antes dele? Não, não pense em lamento ou vontade de retorno, o atual contexto não permite nada parecido. São só palavras de alma que se fez menina e na virgindade de sua maturidade, quis convidar o passado pra uma dança, quis que o tempo se misturasse e um universo paralelo pudesse ser refúgio e carícia. Perdão pelas fotografias partilhadas, perdão pela poesia embotada, perdão pela despedida... Há uma dor do pensamento caído, por que ‘diaxo’ eu sou esse eu?

- Deseja mais uma dose de café, outra prosa, um beijo e uma poesia? Pode ficar a vontade, talvez eu não volte mais aqui, como saber?
Com amor,
Derluh.

Passeio de menino'

Derluh Dantas

E o menino olhava aquele rio com uma familiaridade que a alma bem conhecia. Ele estava em casa de novo. E todo o lugar lhe parecia o mesmo, eram as mesmas árvores, com uma poda diferente, os ladrilhos da rua, aqueles antigos casarões... Mas, o menino já não se reconhecia naquele lugar, era a sua casa, mas não parecia lhe caber naqueles cenários. Onde estão seus amigos? Cadê as brincadeiras barulhentas por ruas e vielas daquela cidade? Onde se esconderam todos aqueles sonhos e planos? Todos cresceram, foram embora, estão por outros caminhos. O menino desenha um sorriso na alma e algumas lágrimas lhe escorrem pela face, ele tem saudades. Que vontade da guerra de água, do faz de conta de ter superpoderes ou mil e trinta e sete ideais. Que vontade de ter amigos reais, que brigam, ficam de mal e logo na sequência máxima e ‘pra sempre’ de três dias, está tudo de volta ao normal e mais sincero. Ele que pensava mudar o mundo, olhando a correnteza do rio, lembra-se de que precisa arrumar o quarto. Ele percebe que precisa jogar alguns souvenires no lixo, desentulhar os armários e quem sabe sair de algum deles. Precisa novos planos, outros sonhos, precisa permitir que o tempo faça o seu trabalho. O menino não tem do que se lamentar, ele apenas sente gratidão por ter conhecido histórias tão diversas, belas, coloridas... Mas, está na hora de levantar, o rio já se tornou pequeno e raso demais. O menino precisa sair desse banquinho e se lançar de uma vez por todas no mar, no oceano da vida. Mas, o menino tem medo e não sabe de qual janela deve se esgueirar e se lançar. Que vontade de voltar a ser menino e sonhar com o aquário, o jardim, a liberdade que terei quando for grande e adulto... Mas, mesmo não permitindo o trabalho do tempo, ele se faz implacável e inexorável.

Sobre a Morte do “bandido”


Derluh Dantas
Aquela mancha vermelha em meio à calçada não te incomoda mais? Algum dia te incomodou? Sabe que isso não é tinta? Essa mancha correu de uma veia pulsante, de uma vida desperdiçada, um tiro qualquer, foi de dentro pra fora. A pele do sujeito tinha uma cor escura, seu cabelo uma personalidade própria. Algumas pessoas se desesperam e dizem o quanto ele era bom, apenas dezesseis anos. A outra parte da sociedade, que nada sabe daquele sujeito, aceitou a versão de uma mídia branca e de bem. Segundo aqueles olhos verdes, o microfone numa das mãos e umas anotações em papel branco e amassado na outra, dissera que era um bandido qualquer, até um sorrisinho de canto de boca apareceu ali. “Menos um pra nos amedrontar”, eu ouvi de algum lugar da multidão ou foi do sujeito perto do ombro, já não me lembro. Ainda estou perplexo pelo menino, falei dezesseis? Oh, não, eram treze anos. Treze anos e o desejo de ser ator, jogador de futebol, algo que lhe desse notoriedade e a oportunidade de algum dia, não ser ofendido por estar olhando o tênis de marca na vitrine daquela loja “popular”. O menino levou três ou cinco tiros, possivelmente mais, se a mídia soubesse contar. Não foi a primeira vez que lhe tiravam a vida, mas dessa vez lhe tiraram a possibilidade de recomeçar, tentar de novo, sentir a dor daquele julgamento sem defesa. O menino, sim, não era bandido como alguns enchem a boca pra falar... O menino, ainda que tivesse cheirado cola, comprou no sapateiro da rua ou roubou do lixo que ele jogou na calçada. O menino foi condenado por uma sociedade que violenta o direito à dignidade e ao respeito. Ele foi morto por um povo que acredita ser de bem só pelos lugares que frequenta, uma cor de pele menos negra e um vocabulário recheado de verborragias, moral, hipocrisias e bem costume. O menino que nada entendia desse jogo sujo, só queria sair pra brincar no terreno baldio. Ele que só jogava bola ali, foi condenado por aqueles que despejam corpos, lixo e sangue com seus carros plotados, seus pés calçados e suas marcas a ostentar. Talvez, você acredite que não tenha algo a ver com isso, mas aposto que se eu mudasse a cor da pele do menino, falasse da igreja que frequenta, no cabelo liso e da família de nome, possivelmente você esboçaria uma revolta, esbravejaria contra o mundo e acharia essa marca na calçada um ato terrorista que todos nós devêssemos nos indignar!


In - Quietude'

Nazaré - Bahia, 21 de janeiro de 2015.

Derluh Dantas
Vou me despir um pouco da poesia, desfazer o lírico para descrever essa data tão vulgar do ano. A Assembleia Espiritual Nacional instituiu em 1949, o dia 21 de janeiro, como o Dia Mundial da Religião, com o objetivo de celebrar a união de todas as religiões, independente do credo e promover a tolerância e o respeito entre as distintas crenças e povos. No Brasil, esta data foi instituída como o Dia Internacional de Combate à Intolerância Religiosa, em dezembro de 2007, pela Lei 11.635, a data também faz homenagem à iyalorixá Mãe Gilda, morta em 21 de janeiro de 2000, vítima de infarto. Hoje, seria mais um dia para vivermos o respeito ao outro em suas mais variadas expressões. Mas, o humano anda longe de se fazer morada no mundo. Muitas pessoas ainda investem tempo e energia em fazer do outro instrumento de sua vaidade e loucura. Há pessoas que vagam pelo mundo, acreditando conhecer a verdade absoluta e ser responsável de “esclarecer e salvar” os “outros”. Lastimável em ver que ao ler algumas palavras ou ouvir outras tantas, faz de alguém o instrumento de uma “paz” que só impõe terror e exclusão. Perdão, não quero parecer um terrorista fanático ou um cético hipócrita. Eu acredito na fé, de quem quer que seja, inclusive na sua. Contudo, por entender que cada um nasce com o principio e fundamento para trilhar seu próprio caminho, eu não posso ficar calado diante dessa sua violência simbólica e ideologia arrogante. Seu caminho, sua “escolha” não deveria interferir diretamente na forma como os outros entendem o mundo. Exemplo, se eu acredito que beber leite pela manhã me provoca gases, não me faz um especialista lacticínio para promover um combate ao leite matutino... Exaltei-me e acabei me expressando de forma trivial e leviana. Mas, o que te faz acreditar que a sua revelação de salvação deve ser imposta e aceita por todos? Eu não consigo assimilar que a única religião que detém a verdade é aquela na qual você optou por acreditar. Caso em algum lugar estivesse guardado o segredo da vida, todos não estariam por buscar esse lugar, ao seu modo e ao seu próprio sentido? Ou mesmo se fosse o caso, por que não se pode respeitar quem não está interessado na “Revelação” ou no “Sentido Supremo”? Desculpe-me, mas acho de tamanha brutalidade essa mania de achar que o outro está em processo de erro e você por se vestir de forma x, ler os livros y, falar com arrogância, é o escolhido de uma divindade que faz justiça com punho e fogo. Desculpe-me, mas é um tanto ilógico pensar que você é melhor que alguém e que pode desacreditar o outro. Falando de forma didática: Meu jovem, você pode acreditar no céu e inferno, pode acreditar nos mistérios do divino, pode acreditar que terá mil virgens, pode crer no que quiser, mas essa sua crença não lhe dar o poder de definir, impor, violar a fé alheia. Se você acredita que aquela divindade é satânica, do mal, tudo bem... Não a adore, não a venere, lute contra ela em sua alma, mas se o vizinho se veste de vermelho, bate tambor ou acredita apenas nos fatos comprovados de maneira empírica e racional, RESPEITE! A expressão dele não deveria afetar a sua paz, tampouco interferir em sua “adoração”. O Respeito se vale do comportamento simples de permitir que o outro seja tal qual ele é. Não compartilho da sua ideia de que todos os humanos são corruptíveis, mas se é seu pensamento, sigo o meu caminho e dele não levo magoa, raiva, nem lamento, é seu direito pensar assim. Não tenha medo de ter um conhecimento exclusivo, só não o aplique como tormento a quem pensar ou agir diferente. Somos todos dignos de compartilhar esse espaço, esse tempo, da forma mais digna e íntegra que conseguirmos existir. Perdão por apontar aquilo que penso ser sua ignorância e peço desculpas pela minha!

- Dos diálogos que me sangram a alma -

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