Sujeito do movimento'

Derluh Dantas
Ele nasceu como quem fosse um presente dos mais divinos. Era inteligente, sagaz, sublime. Antes de aprender leitura, já fazia poesias e entendia as coisas do mundo. Gostava dos pés descalços, pouco importava se o caminho estava úmido ou quente. Era daqueles sujeitos de uma expressão e pensamentos únicos. Frente à hipocrisia, ele se valia da ironia e sarcasmo. Se o caldo engrossasse, ele colocava um sorriso no rosto e desfazia a turbulência do encontro com tenacidade. Mas, se fosse violência, ele não se acanhava em entrar no terreiro e defender seu apego ou a justiça. Era tão brincalhão, que certa vez fez dois amigos provarem a amizade com uma boba pegadinha: com roupa de um lado preta e do outro lado vermelha, os amigos brigaram ao dizer da vestimenta do homem. Assim, ele logo mostrou como os sentimentos humanos são inconstantes. Mas, ele era de tribo diferente. Mesmo sendo o primeiro a desvendar selvas, mesmo abrindo os trabalhos de nossa gente, há quem não entenda seu enredo, há quem o julgue mal sujeito, há quem o coloque na cruz que não lhe cabe nem os dentes. Mas, pouco importa isso pra ele. Ele se fez livre e como presente divino que era, fez-se um sujeito sempre íntegro e diferente. O que ele pode fazer, se você não compreende nossa gente? Ele não quer lhe agradar. Para ele, só lhe cabe proteger sua gente. E se a folha virar, ser mais uma vez sujeito sorridente. Ah, e sobre sua mania de chamá-lo sujeito ruim, não há importância alguma ou lamento... Ele é o sujeito do movimento, não o tente parar ou julgar!


Laroyê Exú!

- de um filho distante -


Derluh Dantas
Meu desejo é falar de amor, beleza e morte. Quero falar sobre o desenho bonito da paixão e suas cores, suas pontas afiadas ou aquelas arestas sinuosas que parecem acarinhar os amantes. Gostaria de falar das partidas, das saudades íngremes de quem fica, da loucura de quem convive com o acento agora vazio. Mas, a inspiração anda inquieta, ela saltita, baila, se esfrega em meu corpo como uma cadela no cio. Eu não sei como tecer as cores que me surgem. Eu me sinto miúdo, incapaz, náuseas se afiguram em meu estômago sem borboletas, mas em tempestade. Eu não estou apaixonado no momento, não vejo luz alguma. Há encantos, encantamentos, desejos, tudo numa mistura tão improvável, que se desfaz com o mais sutil dos ventos. Porém, se houve o começo, há que existir o seu desenrolar, as palavras em alento, o meio, o desenvolvimento. Assim sendo,

Uma mulher de cabelos ondulados,
De cores brilhantes
E seios fartos.
Não era vista por qualquer um
Só navegantes, pescadores e sujeitos do mar
É exigente com aqueles que não aprenderam a amar.
É sereia de calmarias e tormentos.
Seu canto é de encanto.
Seu sexo é labirinto iminente.
Seus olhos, pérolas do profundo imenso.
Feita de poesia e magia,
Não é ser comum,
É rainha de Amarelo, de Azul
É vermelho
É cor.
Prisão não há, raiz não criada.
Sendo assim, a saudação que cabe
Só surge do sincero e sensível coração.
De contas, água, areia e algumas pedrinhas,
Ela surge
Mas, só para quem se entrega à verdadeira paixão!
Asé e Amém

Entrego-lhe assim, essa inspiração.

Pelo meu Bairro'

Derluh Dantas
Dagô.
Estou em minha rua, caminhando para casa... E aqui vou traçar uns contos que vejo. Dois gatos mestiços e malhados brigam por algo que encontraram no lixo – sobrevivência e partilha. O menino de oito anos corre para algum lugar que não faz parte de seu destino, a mãe o grita lá de trás – raízes e destino. Duas senhoras sentadas na esquina, parecem falar de amores alheios ou algo sobre alguma intriga – do passado e do abrigo. A criança sonolenta, na porta de casa, luta contra o sono no colo de sua vizinha – carinho. Um grupo de homens, com olhares e expressões, parece discorrer sobre fofocas e vidas distintas – quebra de paradigmas. Os garotos, um de doze e outro de treze anos, trocam olhares do portão, parecem descobrirem e tecerem o amor, há um canto e alguns sorrisos – amor proibido. Uma senhora de oitenta anos tenta abrir a porta de sua casa e se choca com a travesti que passa do outro lado e comenta que ficou viva para ver homem de peito grande – surpresas do ser e existir. E tudo parece alheio ao mundo, tudo parece atípico no meu bairro de criança. Falo de onde sempre morei, o Batatan. E há o grupo da Igreja que canta em Louvor a Santa Bárbara. Há uma explosão na padaria do lado de casa. A vizinha protestante, que diz estar salva por simplesmente “ser” da igreja e proclama protesto contra todos os outros, entre xingamentos e graves acusações. Faz-se engraçado esse lugar no mundo, enquanto de fora tudo parece sério e sisudo, em meu bairro a vida se faz rotina entre regras, exceção e abstração. Aqui a loucura é cultural, a religião é multipartilhada, as mulheres jogam biriba e os homens ficam de porta em porta na fofoca. E hoje a lua ficou mais bonita da janela de casa, não há novos amores pela varanda, mas a lua fez sua homenagem mágica à Bárbara, Iansã, Oyá. Se o mundo te parecer pesado e indecente, entenda que há um lugar que a mulher de vermelho abre olhos, lança raios, forja metais e não deixa a esperança ou a vida se dissipar. Feliz de quem tem um espaço para sentir e sonhar.


Yá Eivikei.
Epahey Oyá!
Rogai por nós,
Oh! Bárbara!
Salve, Iansã!
Axé!

Santa Pesquisa: