Lento luar'

Derluh Dantas

O céu já se faz negro com pequenos pontos de luzes coloridas. Estrelinhas que piscam em silêncio, lá de longe, me fazendo companhia. Já não ouço mais sua voz dentro do meu peito, eu deixei as janelas abertas e parece que só agora você percebeu e se foi. Em meio à sala vazia, o Jazz já não me faz mais suspirar. Algumas lágrimas ainda rolam no rosto quanto toca aquele sambinha antigo, aquela voz feminina, o sax e a bossa. Eu aumento o som, talvez uma tentativa vã de fazer calar essa saudade escandalosa. Não se preocupe, não estou falando de você aqui... São saudades de ter alguém para abraçar, de desejar o toque da pele, do gosto. De ter uma companhia mesmo que a solidão seja rotina. Engraçado, eu sei o desenho dos olhos, eu sei a cor dos lábios, eu imagino cada detalhe da pele macia, do pelo arrepiado, do toque delicado com a ponta do nariz... Mas, você ainda não existe para meus acalantos, para meus lamentos, para meus sorrisos desenhar. Engraçado como amar, para mim ao menos, não precisa necessariamente do presente e da companhia, é algo além da insana vontade que se forma no maracatu, no frevo ardente, no axé cadente. Eu gosto mesmo de dançar e amar, se querem me condenar por isso, sou intensamente culpado e não paro de amar e dançar nem uma vez mais! Assim, se faz dança nessa noite de lento luar. 

Realidade'

Derluh Dantas
Andando pelo mundo eu vi uma pessoa se dizer contra o aborto em defesa da vida, ser a favor da pena de morte em argumento sobre a mesma. Eu ouvi um homem que se dizia pregar o bem e o amor, ofender, punir, proibir o outro de amar e ser amado. Eu presenciei uma mãe discutir com um homem por fumar maconha, dizendo proteger sua filha presente e ao mesmo tempo estar com uma latinha de cerveja em uma mão, na mesma um cigarro aceso e usar a outra mão para agredir uma terceira mulher em questão. Então, a maconha desconhecida é mais prejudicial para uma filha que ver sua mãe violentar, ser vulgar, incoerente e bêbada?
Eu ouvi pessoas falarem de um Deus que criou a liberdade e essas mesmas saírem por aí cessando o direito dos outros.
Andando pelo mundo eu presenciei o amor seleto, o direito discreto e a violência descaradamente defendida, aplaudida, desferida. Eu senti um homem berrar aos ventos que a vida de outro valia menos que o espelho quebrado de um ônibus qualquer, e os outros que falavam de segurança defenderam o desejo de assassinar. Eu vi crianças serem mortas e violentadas com o consentimento de adultos que as colocaram no mundo e nada fizeram por elas. Vi adultos saudáveis tiraram tudo do outro e depois não aceitarem serem agredidas por quem não tem mais nada a perder, além de uma vida miserável.
Eu ouvi argumentos distintos para os mesmos comportamentos. “Ele merece morrer, antes que tire a vida de alguém” – e me pergunto, então, você também? É estranho sobre os mesmos olhos que defendem a vida, você presenciar as mãos manchadas por mortes. E no meio de tudo isso, eu me vi. Um alguém pequeno e miúdo que sonha em outro mundo e não faz nada de fato por esse aqui. Mas, o que fazer se sempre tento e não consigo? Continuar tentando, ao menos por uma consciência tranquila e condizente com o que acredito e defendo. E de todos os males do mundo, tenho certeza e sinto que ainda há gente verdadeiramente de bem por aí.

Encanto da pedrinha'


Ao longe, parecia uma pedra opaca. Já não pulsava, já não batia... Já se fazia distante e desconhecida da vida. Essa pedra ficava guardada entre muitas palavras acadêmicas, abstrações de amores, filosofias, Dizia-se feliz apenas com histórias alheias.
Havia uma poesia circundante, se dizia de sonho distante ou mesmo de história não existida. Pelas janelas de onde se escondia, olhava com desinteresse o mundo de fora, pensava não ter mais nada humano que o despertaria. Continuou admirando as borboletas, as flores pequeninas, as cores minimalistas que lhe surgiam em uma estranha rotina.
Gostava do sono, pois nele podia ser outros, e a pedra reluzia, mas ao acordar a pedra continuava vazia e fria. Há uma magia que não lhe abandona, mas nada que pareça haver encantos. Até um dia qualquer na grama...
O cansaço e o por do sol, a desesperança que se apossou no menino e ao encontrar aquela figura diferente ao comum já visto, a apatia voou. Eis que o tolo fez a volta, quis ficar, o que dizer? O que esperar? Mas, pareceu não ser visto. A pedra mudou de cor, de textura, de ritmo. Já não importava o cansaço de domingo, já não importava a falta de encanto, quis arriscar.
Um pedaço de papel, caneta preta, a letra do amigo, o que fazer no momento seguinte? Troca de olhares por belos encantados três segundos, calafrios, agir normalmente, gaguejos e o ‘oi, posso conhecer vocês?’ Como ser mais tolo? Não há espaço ao poeta medíocre para experimentar verdadeiro amor. Sendo assim, lhe deixo livre, sujeito descrente, deixo em paz minha pedrinha carente. Contudo, ainda desejo que você surja em um beijo qualquer, um abraço insistente e vamos de novo, até o dia que haverá mais que um continente entre a gente, haverá a distância maior da semente, do encanto, da flor...
Com carinho,
Derluh Dantas

Miúdo!


Eu vou falar baixinho, os passarinhos nem irão ouvir de seus galhos. Eu quero sussurrar bem pertinho de sua orelha e quem sabe até tocar os lábios como se fossem sons em formas de beijinhos. Mas... Ainda que eu use palavras de passarinho, com formas de amor-perfeito e cores de uma nascente de rio, ainda assim acho que você iria se assustar. Deve haver algo em minha voz ou uma magia estranha em meu ritmo de falar que faz semente se assustar e brotar em outro lugar.  Não precisa de medo ou lamento, gosto de sua pele, sinto algo especial em seu olhar... E falando baixinho: se eu soubesse como, faria questão de todo dia te paquerar um tiquinho e quem sabe no fim de tarde, em um farol especial teríamos um beijo ao nos entregar. 
Carinhosamente,
Derluh Dantas.

Vírgulas, olhares e som!

Derluh Dantas'
- Calma! Pode sentar, fica a vontade. Conte-me o que te traz aqui e vamos às palavras que surgem... Palavras de um tempo recente, mas que já provocam belas saudades e pensamentos.
Tarde de segunda, em uma lancha ao mar. Voltando para casa. Em meio ao barulho do motor, de pessoas falando, celulares tocando... Decido me ocultar dali. Nos fones de ouvido declarações de belos sentimentos em forma de música que alguém arriscou/confessou. Depois de algum tempo com a música e a apreciação das faces presentes, do mar, prefiro me entregar à literatura. Um bom livro, metade da história, música, um sentimento gostoso de estar sozinho naquela imensidão de mar. Entre um sorriso ou pensamento que a leitura e a música provocavam, eu apreciava o mar.
- O mar! ...
Ao refletir os raios solares, o mar parecia um cobertor de prata maleável, com ágatas verdes, turmalinas azuis, jade, tudo entre o metal prata. Esse tapete mágico escondia um mundo imaginário, uma fábula desejada, fábula que inspira o transporte para perto do mar límpido e revolto do domingo, do mar que vai mudando de cor junto com as vestes do céu e acaba se tornando em profundezas negras. O negro, alguns pontos de pedras preciosas de múltiplas cores, pontos de luz espalhados por aquele breu infinito.
- Mas, voltando...
Há um prazer delicado em poder mergulhar naquilo que não existe para além dos olhos. Eu fui visitar sementes que nunca brotaram e viraram pequenas pedras que ora machucam, ora enfeitam minh’alma. Pedras tão distintas, algumas são bem polidas, outras opacas, outras tantas ásperas e de brilhos intensos, mas todas fundamentais para as lágrimas e sorrisos que sou.
- Sendo assim, caro leitor... Não me delongue o som, eu me encantei por um olhar distante, um olhar que direi que foi para mim e que a boca não pronunciou ou admitiu. Eu senti a solidão intensa de não se sentir parte de nada concreto, nada real, mas que de uma forma estranha eu senti uma conexão cósmica com a vida particular e fabulosa que surgiu de uma conexão imaginária de três segundos. Porém, como dizem os racionais: “não há nada especial nisso”, complemento apenas, se você não sentir. E foi assim, um tempo estressante, uma companhia amiga e duas descobertas fantásticas. O que mais posso querer? Como disse a menina com nome de diva brasileira e sobrenome famoso: Espero ouvir mais histórias (e fazer parte de algumas)”.


Assim encerro essas: Que venham os acontecimentos... Pequenos, bons, belos, passageiros, como vierem!

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Sobre as flores'

Derluh Dantas

Enquanto tomo o café quente, fico a imaginar que personagem eu seria em alguma história de ficção. Provavelmente, teria que ser um drama, alguém tentando negociar com a vida o prenuncio da morte. Um personagem triste, meio cabisbaixo, que fica imaginando a possibilidade de mudança, mas não sai da poltrona mais confortável da sala. Ele negocia com as paredes às suas rugas. No espelho do banheiro imagina diálogos intensos, mas não há alguém com quem conversar. Cada zumbido de mosca o desperta, o prende a atenção. Enquanto ele beberica o café que lhe queima a língua, ele lacrimeja pela dor de se sentir ainda vivo. Quando outro personagem morre, ele se questiona por que a vez dele não chega. Como a vida pode matar uma mãe e deixar esse infame parasita ainda vivo? Esqueci que não era pra eu ser tão intenso, posso voltar a falar das flores, de suas cores e odores. Perdão, mas o sangue que percorre em meu corpo leva consigo o veneno e antídoto para essa minha monotonia triste. Não deveria reclamar, tenho superficialmente tudo o que preciso e dirão que só tenho a agradecer e agradeço de coração e alma... Mas, o sorriso que me falta, se faz por essa ausência de sentido em raízes que não tenho, de asas que me pesam e não me fazem voar. Mas, voltemos às flores. São belas formas e cores, não é mesmo?

Puta!

Derluh Dantas

Essa vadia anda um tanto mais ousada e arredia. Ela surge sem prenúncio, não me deixa dormir, me acorda no meio da noite, me excita, me inibe. Eu ando covarde para assumir as formas que ela apresenta, para apresentar os odores que ela me obriga. Simplesmente, sou pequeno demais. Presunção minha acreditar que ela se deitava comigo por prazer... Começo a acreditar que ela apenas me abusa, me fazendo sentir o gosto do voo, mas me provando a incapacidade de voar. Ela esfrega seus cabelos negros, seus seios pontudos e volumosos... Faz gemidos quentes ao pé do ouvido, me acaricia as nádegas, a virilha, esfrega sinuosa em meu sexo. Ela faz e se desfaz em brumas. Em suas mãos há manchas negras e azuis, há calos, mãos másculas. Ela sorri pra mim diante do espelho, me faz perceber o abjeto que sou, me faz querer amor. Ela tinge meus olhos, desnuda meu corpo. Cada sinal, cada mancha ou expressão se torna desejo e volúpia. Provoca-me lembranças de momentos que não vivi, me faz recordar sabores que não experimentei... Será que essa vadia é assim com outros por aí? Presunção minha pensar em monogamia com a puta que me envolve, que me desperta calafrios, paixões, luxúrias, amor e prazer. Venha, louca inspiração, inunda esse seu escravo, esse meu ser.

Dia Amelístico!


O baú estava revirado. As palavras se amontoavam pelo chão sem um sentido lógico. A luz do sol estava mais amarelada, um tanto mais quente e eu não saberia descrever o vento. 
Houve roda de capoeira pela manhã, uma ‘louca’ senhora Carmem revelando que eu sou belo, uma amiga feliz. Poderia ser um dia qualquer, mas ao despertar com um estrondo achando ser trovão, mesmo naquele céu intensamente azul, o dia gritava ser único. Estranho domingo atípico 
Em uma praça antiga, os velhos sorriam em olhos com seus netos pirralhos a brincar. Cachorros descansavam às sombras das pequenas árvores, como se curassem ressaca da vida. Jovens casais pareciam necessitar de um ambiente mais íntimo que um banquinho de praça, era cafuné, beijos e pernas. Um careca brutamonte em seu tom de pele quase transparente e tatuagens tribais, fez-me lembrar de que ‘os brutos também amam’. Um jovem casal e seus filhos por escolha, escolha da vida, talvez.  
Tudo tão intimista e minimalista, a lagartixa na palmeira ainda anã, os passarinhos buscando alimento na grama, o sol se pondo e eu na companhia de uma amiga que buscava alguma música que combinasse com o fim de tarde. Eu poderia tecer cada detalhe daquele momento, mas nem de longe eu conseguiria expressar a plenitude que senti. Ao sentir todas aquelas cenas eu descobri uma paz feliz, me senti infinito!

- Caro leitor, nem de perto as produções humanas, como as palavras, poderiam expressar cena tão única que o amor anda tecendo, colorindo por aí. A cronologia não faria sentido algum à sensibilidade tentada aqui, desse domingo alaranjado em nossas bolhas, sorrisos e olhares tão amelísticos, por assim dizer.
Com amor,
Derluh Dantas.

Santa Pesquisa: