Pode ser

Derluh Dantas
Depois de tanto tempo, pela primeira vez que me lembre, meu coração está completamente desocupado. Claro que há um espaço cativo dos amigos e amigas, da família, de alguns artistas e talentos anônimos. Mas, não há mais aquela paixão unilateral, aquele amor dito platônico, aquela vontade de beijo quente e acordar de manhã com um olhar acalentado. As suas fotografias ainda mostram belas formas, mas já não me afeta as borboletas do estômago, acredito que elas estão em casulo de metamorfose. Não vou me desculpar das vezes que tentei você do meu lado, das declarações que te fiz ou de ter enchido os ouvidos de meus amigos com minha ânsia de possibilidades e desejos surreais. Não devo nada. Pela primeira vez, que eu me lembre, já não se faz dor nem chuva aqui dentro. Está tudo devidamente empacotado e num lugar que já não ocupa espaço, não causa sentidos. Talvez, amanhã eu chore uma vez mais, eu sorria feito bobo pela lembrança daquele sentimento, mas hoje, nesse exato momento eu sei, eu sinto que ele já não se faz presente. A casa está vazia, eu tenho vontade de sair, olhar o mar com outros olhos, sentir a brisa em arrepios libertários. A casa precisa de novos móveis, mas dessa vez eu escolho a mobília, eu decido o som, a cor das paredes, essa casa é minha. E não precisa se desculpar ou se mobilizar em defesa, dizer que não é culpa sua... Eu sei que não é. O sentimento aconteceu em mim e eu quis alimentá-lo, mesmo sem ter muita noção disso. Tudo em você me causava encanto, hoje você continua um encanto, mas sua magia natural já não se faz efeito em mim. Hoje me sinto livre, me sinto renovado e já não preciso de um amor pra ser feliz. Hoje, a paixão ou o enamoro que eu possa ter, é pela pessoa que me olha diante do espelho e diante dele me faz perceber a necessidade de sorrir, querer, acordar, levantar, estar vivo. O bom de tanta rejeição e desencontro, de algumas desculpas e silêncio, é que no desespero da decepção e da frustração, eu acabei descobrindo muito sobre mim, acabei sabendo o valor de minhas lágrimas e do meu sorriso. Agora, eu posso pular, andar, correr sem precisar alcançar alguém, já posso curtir melhor as surpresas do meu caminho. E caso me procure ou queira conversar, tudo bem... Só te lembro de que minha fonte mudou de água e de lugar. Hoje eu posso e quero estar sozinho. Ah! não pense que essas palavras denunciam que penso em você, que ainda quero amor, essas palavras são apenas sobre o desejo que hoje habita em mim: Coração limpo, alma leve, Liberdade sem fim!

Eu Albatroz'

Derluh Dantas
Sou albatroz,
Não aceito migalhas,
Não consigo muito bem me enturmar,
Mergulho no azul do alto,
Alimento-me do azul profundo.
Do meu algoz sinto raiva,
Mistura de pena e desvio
Cedo-lhe perdão e maldição,
Não sou do tipo que cabe às salvações.
Meu pecado é ter asas,
Meu temor é não saber pousar.
No meu bico ecoa o grito,
Na minha escolha, opto por um único amar.
Não se faça rogo,
Minha morte é prenúncio de mau-agouro
Minha vida, sinal de sorte e majestade.
Se quiseres desfazer minha existência em contraste,
Saiba que em minha vida,
Eu só me curvo diante da grandeza oceânica,

Da divindade Mar!

PETERSON RICARDO DE OLIVEIRA.

Derluh Dantas
Peterson Ricardo de Oliveira. Você conhece? Já ouviu falar? Ele tem 14 anos e não poderá saber o que vem depois dos rompantes e inconstâncias da adolescência, não chegará a ser adulto, não terá os dilemas de que curso irá tentar no ENEM, não vai planejar as próximas férias de verão. Ele foi morto pelos “coleguinhas” de escolas, aqueles que defendem a “família tradicional” e que pensam no “melhor” para nossas crianças. Dizem que ele foi espancado por cinco colegas na escola, aquela que ele estudava desde os seis anos de idade. Os cinco colegas são “heróis” para alguns, eles defendem as piadas diárias, a chacota, eles fazem coro que “homofobia” não existe, “é viadagem dessa galera alternativa que vê problema em tudo”. Desde os seis anos de idade ele convive diariamente com as “brincadeiras inocentes” de crianças que vivem num “lar normal”, os coleguinhas do adolescente são filhos do amor e do bem incentivado pelos pais heterossexuais e de bem (não pense que todo heterossexual é bom, alguns ensinam respeito e amor aos seus filhos – coisa muito progressista e vanguardista pra outros, para os pais dos cinco provavelmente). Peterson foi morto e convivia com seus algozes diariamente, dizem que o motivo era o amor de seus pais. Peterson foi condenado por um crime que alguém inventou, possivelmente os pais e professores de seus carrascos. Peterson foi morto porque não era filho de um casal ‘normal’, foi morto por ser cuidado, amado, educado, respeitado por um casal homoafetivo.

Peterson, agora eu queria falar contigo, espero que possa me ler onde quer que esteja nesse vasto universo pós-morte. Peterson, sua vida não é menos importante que a de quem quer seja, você foi morto, mas nem por isso será menos amado por aqueles que puderam conviver contigo. Você não está sozinho e mesmo que tenha medo, não pense que seu medo é algo errado, você pode confiar em alguém. Não permita que lhe digam que você é menor ou menos digno, você foi uma flor plantada no jardim da vida e por ser tão belo e bem cuidado, alguém teve a infeliz ideia de querer lhe arrancar de seu caule, por isso te peço perdão. Perdão por alguns ainda se acharem melhor ou maior do que você, acho que as pessoas têm medo do amor, o amor bem sucedido assusta, prova a falha de algumas escolhas, prova a ineficácia das regras e tabus preconceituosos. O amor é sempre amor... E mesmo que alguém lhe diga que sua vida é menos digna pela forma que ama, veste, fala, convive, não se assuste, você não está sozinho e tem gente que quer lhe estender a mão, lhe fazer abrigo, cuidar de ti. Perdão, Peterson, perdão e espero que onde quer que esteja não deixe os carrascos vencerem. Mesmo com o medo que deve ter sentido e a raiva que sentimos ainda vivos, eu espero que você opte sempre pelo respeito e pelo o amor. Do outro lado da vida, tenta continuar sendo o menino que seus pais lhe ensinaram a ser e se for possível, semeia um pouco de amor aos vivos que ainda estão a labutar pela vida. Aos seus pais, perdão. Perdão por eu não ter corrigido meu colega de trabalho que pensa que ser bom é ser apenas heterossexual; ou minha vizinha que tem amigos gays, mas não aceita suas práticas e os vêm como bichinhos exóticos para o mal; perdão por não ter alertado e respondido a piada sem graça de meu tio sobre homossexualidade; perdão por não ter convocado uma manifestação ou ter saído da zona de conforto do meu sofá; perdão pela sua dor ser tão imensurável; perdão pela sua perda... Eu não consigo conceber um argumento válido para que o relacionamento de vocês, seja motivo para matarem seu filho ou quem quer seja, mas eu ainda me calo. Perdão pelo meu silêncio frente a essa opressão diária. Perdão, perdão por saber que teremos outros Petersons, outros Bobbys (esse tirou a própria vida por não aguentar o amor materno de sua mãe, tão boa cristã, que não o aceitava e o tentava curar de ser homossexual) e outros tantos ainda sem nome nas lápides e terrenos baldios... Perdão por sermos tão racionalmente brutais.

... lágrimas me rasgam à alma ...

Sobre asas e tatuagem


Qual bebida você usaria no final? O que cairia bem com a despedida? No meu caso foi uma xícara de café amargo, que conveniente [risos]. O fim não era declarado, não havia acordo do que aconteceria daquela porta pra fora. Tiramos o lixo, varremos os cômodos, tomamos uma xícara de café e minha alma gritou lá de dentro que aquele seria o nosso final, o último encontro, a última correnteza de trégua e companhia. Os lábios tremeram um pouco, mas a vida foi decisiva, não haveria reencontro por um longo tempo. Durante anos, uma das partes lançava algumas palavras escritas ao mar, do outro lado eram lidas com o sangue manchando a alma, as lágrimas correndo à face. Depois de outros anos decorridos, houve tentativa do outro lado, mas aquelas palavras ao mar limparam aquele lado da ilha, as folhas secaram, era outra relva, outra melodia. Mas, o que dizer sobre essa lembrança daquele café amargo e os banhos de ‘chuva’ antes dele? Não, não pense em lamento ou vontade de retorno, o atual contexto não permite nada parecido. São só palavras de alma que se fez menina e na virgindade de sua maturidade, quis convidar o passado pra uma dança, quis que o tempo se misturasse e um universo paralelo pudesse ser refúgio e carícia. Perdão pelas fotografias partilhadas, perdão pela poesia embotada, perdão pela despedida... Há uma dor do pensamento caído, por que ‘diaxo’ eu sou esse eu?

- Deseja mais uma dose de café, outra prosa, um beijo e uma poesia? Pode ficar a vontade, talvez eu não volte mais aqui, como saber?
Com amor,
Derluh.

Passeio de menino'

Derluh Dantas

E o menino olhava aquele rio com uma familiaridade que a alma bem conhecia. Ele estava em casa de novo. E todo o lugar lhe parecia o mesmo, eram as mesmas árvores, com uma poda diferente, os ladrilhos da rua, aqueles antigos casarões... Mas, o menino já não se reconhecia naquele lugar, era a sua casa, mas não parecia lhe caber naqueles cenários. Onde estão seus amigos? Cadê as brincadeiras barulhentas por ruas e vielas daquela cidade? Onde se esconderam todos aqueles sonhos e planos? Todos cresceram, foram embora, estão por outros caminhos. O menino desenha um sorriso na alma e algumas lágrimas lhe escorrem pela face, ele tem saudades. Que vontade da guerra de água, do faz de conta de ter superpoderes ou mil e trinta e sete ideais. Que vontade de ter amigos reais, que brigam, ficam de mal e logo na sequência máxima e ‘pra sempre’ de três dias, está tudo de volta ao normal e mais sincero. Ele que pensava mudar o mundo, olhando a correnteza do rio, lembra-se de que precisa arrumar o quarto. Ele percebe que precisa jogar alguns souvenires no lixo, desentulhar os armários e quem sabe sair de algum deles. Precisa novos planos, outros sonhos, precisa permitir que o tempo faça o seu trabalho. O menino não tem do que se lamentar, ele apenas sente gratidão por ter conhecido histórias tão diversas, belas, coloridas... Mas, está na hora de levantar, o rio já se tornou pequeno e raso demais. O menino precisa sair desse banquinho e se lançar de uma vez por todas no mar, no oceano da vida. Mas, o menino tem medo e não sabe de qual janela deve se esgueirar e se lançar. Que vontade de voltar a ser menino e sonhar com o aquário, o jardim, a liberdade que terei quando for grande e adulto... Mas, mesmo não permitindo o trabalho do tempo, ele se faz implacável e inexorável.

Santa Pesquisa: