Lembrando e agora'

Lembrando...
Aquelas falas ficaram mais ou menos assim na memória:

“Seu coração é cigano, vai substituindo amores e paixões. Aposto que não ficará sozinho nem três meses e logo estará fazendo declarações de amor eterno de novo.”
“Você sufoca uma flor ainda em semente. São muitos cuidados, carinhos, não há broto que resista a tanto zelo.”
“Ainda é muito cedo pra isso. Acho que você estar mergulhando fundo demais por alguém que você nem conhece.”

Derluh Dantas
E agora...
O menino agora estava com seu baú aberto na beira do abismo. As mãos já não são tão macias, os olhos perderam um pouco do brilho. Os cabelos negros apresentam alguns traços brancos e a barba é um multicolorido desgrenhado e opaco. A melodia mudou o ritmo e os instrumentos musicais são mais cadenciados e suaves. As palavras ficaram escassas e muitas vezes o embate fica na confusão de pensamentos, nos lábios uma palavra qualquer apresenta uma concordância para evitar maiores danos [desnecessários]. Naquela música do “Velho e o Moço”, ele já não se encontra em nenhum dos lados. Tudo anda meio ralo, mas ele se tornou mais próprio, mais inteiro, mais sincero, até mais passional que de costume. Talvez, ele tenha aprendido a dor e prazer de ser sozinho e queira de vez em quando um intervalo disso, mas já não aceita qualquer ilusão ou mentira sincera. Na pista de dança, ele ainda fecha os olhos, mas os movimentos são mais decididos, as mãos são mais sutis, a voz já não se ouve em qualquer multidão – são raros os momentos de pista, mas há muita dança no reservado de seu quarto, quando ninguém está vendo. Acho que o tempo nos faz mais amante do silêncio, nem todo barulho é desejo, nem todo desejo vira som. Realmente, o menino que eu era se entregava nos mergulhos profundos, o coração era cigano, os amores e paixões eram livres para o terreno fértil que meus pensamentos me permitiam. Hoje parece diferente, o espelho já não varia tanto a imagem do sujeito que se olha, se desnuda, se mostra... Eu acho que já não fantasio tanto, tenho me tornado apenas uma fantasia distante de mim mesmo.

- Não há sequer uma mentira nas falas acima... Mas, não aceito qualquer condenação sobre minhas tentativas, apenas confesso que sinto falta das paixões e amores livres de regras temporais e morais, sinto extrema saudades e falta do ser cigano de meu coração. Infelizmente, hoje só tenho esse baú platônico de sentimentos não correspondidos e algumas cicatrizes luminosas na alma. E nunca fui do tipo de substituir amores, apenas vivi inteiramente cada um deles em seu próprio tempo.


- perdi a tranca do baú -
- as acusações não procedem -

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