Sobre a Morte do “bandido”


Derluh Dantas
Aquela mancha vermelha em meio à calçada não te incomoda mais? Algum dia te incomodou? Sabe que isso não é tinta? Essa mancha correu de uma veia pulsante, de uma vida desperdiçada, um tiro qualquer, foi de dentro pra fora. A pele do sujeito tinha uma cor escura, seu cabelo uma personalidade própria. Algumas pessoas se desesperam e dizem o quanto ele era bom, apenas dezesseis anos. A outra parte da sociedade, que nada sabe daquele sujeito, aceitou a versão de uma mídia branca e de bem. Segundo aqueles olhos verdes, o microfone numa das mãos e umas anotações em papel branco e amassado na outra, dissera que era um bandido qualquer, até um sorrisinho de canto de boca apareceu ali. “Menos um pra nos amedrontar”, eu ouvi de algum lugar da multidão ou foi do sujeito perto do ombro, já não me lembro. Ainda estou perplexo pelo menino, falei dezesseis? Oh, não, eram treze anos. Treze anos e o desejo de ser ator, jogador de futebol, algo que lhe desse notoriedade e a oportunidade de algum dia, não ser ofendido por estar olhando o tênis de marca na vitrine daquela loja “popular”. O menino levou três ou cinco tiros, possivelmente mais, se a mídia soubesse contar. Não foi a primeira vez que lhe tiravam a vida, mas dessa vez lhe tiraram a possibilidade de recomeçar, tentar de novo, sentir a dor daquele julgamento sem defesa. O menino, sim, não era bandido como alguns enchem a boca pra falar... O menino, ainda que tivesse cheirado cola, comprou no sapateiro da rua ou roubou do lixo que ele jogou na calçada. O menino foi condenado por uma sociedade que violenta o direito à dignidade e ao respeito. Ele foi morto por um povo que acredita ser de bem só pelos lugares que frequenta, uma cor de pele menos negra e um vocabulário recheado de verborragias, moral, hipocrisias e bem costume. O menino que nada entendia desse jogo sujo, só queria sair pra brincar no terreno baldio. Ele que só jogava bola ali, foi condenado por aqueles que despejam corpos, lixo e sangue com seus carros plotados, seus pés calçados e suas marcas a ostentar. Talvez, você acredite que não tenha algo a ver com isso, mas aposto que se eu mudasse a cor da pele do menino, falasse da igreja que frequenta, no cabelo liso e da família de nome, possivelmente você esboçaria uma revolta, esbravejaria contra o mundo e acharia essa marca na calçada um ato terrorista que todos nós devêssemos nos indignar!


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