De Derluh Dantas
Certa vez, eu li em algum lugar que o período mais histérico e sanguinário da perseguição
às bruxas, foi entre 1550 a 1650. Depois desse período os julgamentos
diminuíram fortemente e desapareceram completamente em torno de 1700. O
que me chama mais atenção é o “desapareceram completamente”, será mesmo?
Abra suas redes sociais ou vá
a qualquer página de notícia e perceba a colocação de muitos frente ao ‘crime’ do
outro. Crime? Pois sim, em nossa atual circunstância política, social e
religiosa, os crimes podem não estar relacionados à magia, ao uso de ervas
(agora muitos cristãos o fazem e legitimam tal sabedoria oriunda do ‘pagão’), às
forças da natureza (atualmente há um outro olhar sobre elas, como punição
divina ou coisa parecida). Mas, continuam desejando o apedrejamento, enforcamento,
sumiço e julgamento de morte, para aqueles que não seguem o poderio de um Deus
único, machista, preconceituoso e tirânico.
Por que digo isso? Indico uma notícia para
nortearmos a nossa discussão: “Mulher de 26 anos, desaparece após ser
encaminhada para uma clínica de aborto”. O caso foi na zona oeste do Rio de
Janeiro e virou notícia, após o ex-marido receber uma mensagem que continha: “amor,
mandaram desligar o telefone, to em pânico, ore por mim!” (Saiba mais em: http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/jovem-que-desapareceu-depois-de-ir-fazer-aborto-se-desesperou-em-mensagem/).
Após essa notícia virar domínio público, pude perceber o quão cruel tem se
tornado a nossa “nova inquisição”. O Deus que alguns cultuam, deixou de ser “criador
de todas as coisas”, para se tornar justificativa para todas as violências, das
mais cruéis, inclusive. Do tipo: “Jovem de 18 anos é encontrado com o pescoço
quebrado e a boca cheia de papel” (Veja mais em http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/suspeita-de-homofobia-jovem-e-encontrado-morto-em-inhumas-14926/
ou http://igay.ig.com.br/2014-09-10/corpo-de-jovem-e-encontrado-com-bilhete-na-boca-vamos-acabar-com-essa-praga.html).
Nessa última notícia, que tem virado algo comum no Brasil, temos o discurso de “que
se a pessoa é homossexual, ela busca ser morta de forma violenta ou doença
grave”, afinal ela atenta contra o Deus único e perfeito. Pois sim, nas duas
notícias temos que não há crime de assassinato, há uma força divina limpando a
sociedade dos ínfimos e pecaminosos.
Eu não estou exagerando. É extremamente
irracional que a morte de uma mulher se justifique pelo seu não desejo de levar
adiante uma gravidez. Ninguém se importa se o homem não quer, mas a mulher tem
que suportar, “é o desejo de Deus”. O irônico é que Deus só tem desejado o
sofrimento dela, o homem que a abandonou está tranquilo, ele fez o papel dele,
copulou e se multiplicou. A família, os vizinhos, a igreja, estes que a chamam
de puta, levantam falsos testemunhos e atiram as tantas pedras, estão certos,
estão cumprindo o papel divinho. Deus está do lado de todos que a violentam e a
ela só cabe suportar o peso “da sua cruz”.
Na sequência, e se o menino for homossexual,
se o bebê se tornar uma mulher “da vida”, se a criança não se der o respeito?
Tudo bem, eles nasceram, tem o direito à vida, mas agora...
Serão
justificados diversos tipos de agressões e falta de direitos àquele bebê não
abortado. Afinal de contas, a culpa é da mulher, precisa parir. Depois que
nasce a culpa é do sujeito nascido. Como pode não seguir os desígnios de um
livro secular, que a maioria que defende nem leu? Pior ainda se dar ao trabalho
de contextualizar ou simplesmente interpretar o que está ali escrito e entender
que a sua fé, não é a validade da existência do outro.
Atualmente, não precisa saber de ervas ou
conhecer os elementos, basta apenas o jeito de andar, se vestir, gesticular,
falar ou apenas a demonstração do afeto, do carinho, do amor, para ser
condenado à morte ou ao exílio. Temos vivido tempos de inquisições ainda mais
tiranas, ouso dizer. Se antes sabíamos que o nosso tirando vinha em cavalos e
roupas vermelhas, tidos como a “espada de Deus”. Agora o nosso algoz é qualquer
um. O passageiro do ônibus, a enfermeira da unidade, o vizinho, o bêbado da
rua, a mãe de Zé ou Maria. Nosso “inquisidor” estar dentro de casa, é o pai e a
mãe que não aceitam a vestimenta de seu filho ou da filha, que não pode ser
abortada, mas pode ser morta agora. Digo que a inquisição agora é democrática e
universal, ela se atualizou.
Pontos que me fazem pensar: Em que momento da
história Deus se tornou um heterossexual, machão e reprodutor? Quando
engravidou Maria? Então, Deus é um cara traidor e molestador de mulheres
comprometidas? Caso sim, por que essa preocupação com a “família”? Jesus saiu
de casa, mas foi por vontade própria, inspiração. Adão e Eva, esse casal não
foi expulso do paraíso? Certo, por que usá-los de justificativa para não
existir um direito civil, o casamento de pessoas que não podem ‘produzir bebês’?
Outro ponto, se o cristão não deve adorar imagens, nem nada que o afaste de
Jesus, por que eles têm cristalizado opiniões, idolatrando-as como a Verdade
que vale mais que a vida de quem não as segue? Quando “o Criador de todas as
coisas”, se tornou o monstro aniquilador de todas as outras?
A “santa inquisição” pode até ter acabado,
mas essa mania de julgar o outro como indigno de direitos, de respeito, de vida,
ainda parece um lugar casto, exceto se estiver no ventre de uma mulher qualquer,
principalmente se esta for pobre – afinal de contas, Abortar além de crime, é
pecado. Mas, desejar a morte, ofender, blasfemar, julgar, matar, bater,
oprimir, expulsar, gritar, entre outras coisas, para quem já está vivo é válido,
o pecado que pertence a sua fé no divino (vale ressaltar que cristão,
evangélico, protestante), tem sido justificativa suficiente para alterar e
aniquilar todo aquele que é “pagão” – pense em pagão, como todo aquele, que não
se vale da hipocrisia de viver à regra estipulada por um ignorante tirano e machista.
Até quando aceitaremos com cortesia, cumplicidade
e educação as ofensas e mortes de João Antônio
Donati, Jandira Magdalena dos Santos, Daniel Pierce, Lucas
Cardoso Fortuna, tantas travestis, transexuais sem nome? Até quando não nos incomodaremos?
Se você acredita que algum ser humano merece a violência ou a morte, eu
acredito com toda a certeza, que você é um desperdício à vida.