Derluh
Dantas
Eu havia planejado fazer um
levantamento teórico sobre essa estranha mania de oprimir o outro. Pensei em
falar novamente sobre revolução, dizer de amor. Havia planejado perguntar se
você tem ao certo a medida de seus atos. Pensei em questionar se antes de
ofender alguém ou justificar um crime, você pensa, pondera, se coloca no lugar
do outro. Mas, tudo pareceu miúdo, desnecessário. Eu tive vontade de falar de
algumas fotografias guardadas, lembrar aquelas cores e sorrisos. Eu quis por um
momento viajar no tempo e quem sabe levar tantas pessoas (im)possíveis comigo.
Eu quero mostrar as pessoas que pregam o ódio, como é bonito o sorriso alegre
de amar e ser correspondido. Eu tive vontade de provar com sentimentos, o quão
delicioso é caminhar na pracinha de mãos dadas e isso não ser assunto polêmico ou
tema do noticiário das dez. Estou cansado de ver sujeitos que sofrem opressão,
sendo opressores em outras circunstâncias. Eu tenho uma tristeza afiada contra
o peito, toda vez que vejo alguém ter medo ou julgar ruim aquilo que não
conhece, que não lhe diz respeito.
Sobre
um fato que me tomou lembrança:
Eu estava voltando pra casa, num
desses transportes coletivos... Enquanto eu lutava contra uma sonolência e o enjoo
da viagem, ouço uma conversa calorosa atrás de mim. Tentei não prestar atenção,
olhar pela janela e me fazer distante dali. Mas, os dois homens pareciam querer
que todos soubessem suas opiniões masculinas, viris e certas sobre as pessoas e
o mundo. Eles, entre algumas notícias que não se sabe a procedência, diziam ser
contra a adoção, falavam dos filhos com outras mulheres, da eficácia da
agressão. E surge a fala de um deles: “os nossos a gente já não sabe se vai
prestar, imagine criar filho dos outros?” E o outro corrobora: “adoção é a
maior burrice de uma família, não viu o menino que Zeca [nome fictício] adotou
e acabou roubando ela e fugindo pra longe?” E eles aumentavam o tom entre uma
frase e outra, pareciam estar num programa de auditório sem microfone, mas
usando bem a potência de sua voz. E aquela conversa ia me lançando espinhos na
alma, como pode duas pessoas ter ideias tão distorcidas assim sobre ser humano?
Falaram de Deus, da bíblia, voltavam a falar de adoção... E em um dos
argumentos: “ao menos aquele vagabundo deu pra ladrão, pior se fosse viado”. E
o outro: “pois é, ladrão até vai, até se for assassino, mas viado, aí já
demais. Por isso sou contra a adoção, nunca se sabe pra que vai dar aquela
peste. E depois a gente nem pode bater, corrigir, mandar de volta...” E não
pude evitar de olhar para trás perplexo, querendo ver o rosto daqueles que se
tornavam algozes de todo uma cultura e um povo. Ao olhar nos olhos de cada um,
que pareciam agora ter alcançado seu objetivo, pareciam estar falando para que
eu me incomodasse, uma energia subiu pela minha espinha e eu lancei um riso alto
e diabólico – do tipo dado pelas grandes vilãs das histórias infantis e lancei:
“É cada canalhice que tenho que ouvir”. Ao falar isso alto e me contorcer na
poltrona, a senhora do meu lado, me olhou com ar assustado e eu ponderei a
resposta que deu vontade de lançar... Os homens então começaram a falar do
placar de um jogo qualquer. E eu, ardendo por dentro, me perguntava onde anda
Deus para existir tanto demônio se achando santo por aqui?
Com
licença,
Desculpe-me o enredo, a falta de
vírgulas, algum equivoco do conto... Mas, a lembrança ainda carrega o
sentimento de ser violado e impotente. Não tenho como esquecer tantos que se
matam ou morrem pelas mãos de quem se acha santo, digno de falar em pecado,
julgamento, determinar o que é abominação. Estou cansado de ver um menino com
fio de contas, ser evitado ou bombardeado com o “deus me livre, deus é mais”.
Estou cansado da negra que passa com seu vestido novo, ser vista como um pedaço
de carne a ser apreciado, dilacerado. Estou exausto de gente que ainda não
entendeu a responsabilidade sutil de viver em sociedade. Já não acho graça de
piadas que reiteram a violência contra o oprimido, o minoritário, o distinto.
Já não me calo diante de comentários que julgo nocivo. E sim, tenho me tornado
insuportável. Mas, pior que ser insuportável diante de um CRIME, é ser
insuportável diante do espelho d’alma.
Conclusão, eu queria te mostrar
outras verdades, quem sabe você descubra um caminho novo, para além da minha
revolta e para além da mania insistente de oprimir. A solidão tem limpado meus
olhos, meus ouvidos, mas o amor tem me provocado esperanças de que ainda há
algo de bom para não desistir. Eu ainda te convidarei para o meu casamento e
sorriremos juntos o caminhar de meu filho de apenas um ano que tem pressa e não
anda, corre para o gato preto que descansa ao longe. Meu filho! Espero que
sejam três e que cada um deles saiba que seu pai o ama justamente pelo que são
e possam vir a ser... Adotados ou não, serão motivos do meu orgulho, amor,
admiração!
*Fotografia original encontrada no perfil de Facebook da Maiana Brito.
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