Derluh Dantas
- Então, o que faz aqui com esse
vestido decotado e esse batom vermelho?
- Eu quis vir, sair um pouco...
Acho que não lhe devo qualquer satisfação de minha presença aqui.
- Não esteja tão certa disso. Eu
sou pago para manter a ordem e sua simples presença, perturbou todas essas
pessoas do outro lado da rua. Elas não estão acostumadas a ver gente como você
por aqui.
- Isso eu já havia percebido.
Pessoas que são cinzas e simétricas, chatas (eu diria até) não estão habituadas
há belas aves, sujeitos, almas.
- E por que você se acha melhor
que elas?
- Não disse que eu era melhor, em
momento algum. Mas, algo denuncia que estou em outro patamar, o azedume delas
não interfere em meu ser, brilho, jeito. Porém, eles realmente se perturbaram
com a simples presença de ‘alguém como eu’ aqui. – Riso alto e debochado.
- Você não tem medo de ser
apedrejada ou apanhar, ser detida? Você não tem medo de morrer?
- Tenho medo de tudo que você
disse, mas eu não seria a primeira, possivelmente não seria a única. E irei
morrer algum dia, como eles também. Mas, não vou viver minha vida fiscalizando
o corpo ou o pecado alheio. Eu vim para ter desejos, ser cores, amores, estar
hoje aqui de vermelho. Quando eu era pequeno, meu pai me batia querendo que eu
me tornasse homem, macho, corajoso. Mas, sempre achei que ser livre é muito
melhor e maior que tudo isso. Hoje o senhor me tratou como uma mulher leviana,
uma puta de beira de esquina, que amedronta o marasmo da família tradicional e
suas mentiras. Amanhã, possivelmente o senhor me ache uma aberração, fica na
dúvida se sou homem ou mulher, me chamará de bixa ou algo de menor degrau.
Outro dia, você me beijava atrás da mureta da escola, quando eu te parecia um menino e jogávamos bola, apostando quem perdesse chuparia o pau do outro. É,
sargento Ricardo, eu sou Cristina essa noite, amanhã posso ser Lilith Latifah e
ao seu passado eu sou o Betinho do melhor beijo e pau saboroso.
E aquele homem fardado, de
aliança espessa no dedo, empurrou a mulher de vermelho e pediu para que ela o
respeitasse e fosse embora, antes que algum colega se aproximasse para ver o
enredo. E a mulher que sustentava um sorriso dissimulado, saiu em cima de seu
salto trinta e cantou em alto e bom som:
- “I Will Survive!” Eu sou meu
dono, sou anjo, demônio e pecado. Eu sou desejo!
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