Derluh Dantas
Será que você não entende meu silêncio nesses últimos dias?
Será que você ainda pode me ouvir?
- Eu sei que você acha linda minha voz, meus olhos, o como
me apresento a você... De tanto você repetir isso, a cada amanhecer, a cada
anoitecer, eu fui levado a acreditar em você.
No começo você me ouvia cantar e costumava dizer que era o
canto mais lindo que você já ouvira... Você costumava dizer que eu te lembrava
seu tempo de menino correndo pelos quintais de sua rua. Isso me orgulha em
você, essa doçura em lembrar-se da natureza, o quanto admira o puro, o limpo, o
natural... Mas, porque diabos você diz que era belo ver os pássaros cantando em
frondosas árvores, como era belo ver o céu com muitas cores além do azul e
agora me prende nessa gaiola? Será que se esqueceu que também sou pássaro, como
aqueles que você admirava solto?
Não! Quando você me prendeu, eu não cantava de felicidade ou
beleza, eu cantava como súplica – um pedido de liberdade. Você me parecia um
senhor tão bom, que ao menos parecia compreender meu canto. Porém, o tempo foi
cessando e eu descobri que meu canto o quanto mais triste se tornava, mais belo
se parecia para você e seus amigos... Idiota, eu estava implorando que alguém
me deixasse voar, me deixasse rever minha família.
Sim! Assim como você senta em sua mesa de jantar e alimenta
seus filhos, eu fazia isso antes de você me capturar naquele maldito alçapão...
Pois é, agora me recuso a qualquer canto, qualquer pranto, qualquer som que
faça outros gozarem em cima de minha tristeza e minha prisão.
- Eu sou um canário belga e não merecia essa cela, pelo
contrário, você que cometeu uma inversão: tornar um ser livre e de asas em um
bibelô dentro da gaiola e em silêncio... Espero que um dia você entenda: se
gosta da natureza de sua infância, da casa dos seus pais... Ao invés de prender
um pássaro e comprar alguns móveis de madeira nobre, plante algumas árvores ou
não mate as que já nasceram e deixe os animais livres, assim como você, eles
merecem escolher para onde levam seu canto, suas garras, sua pele, seu bico!
Não adianta me levar a esse médico que como você parece não
entender o valor da liberdade de quem nasce livre... Eu não canto mais, eu vou
me livrar dessa cela, nem que para isso eu precise ...