Derluh Dantas
Ela tinha os cabeços alvoroçados e uma corrente envolta do tornozelo. Usava
saia rodada e lápis escuro nos olhos. Na bochecha esquerda uma marca cravada de
sua infância bem aprontada. Por tantas surras, tinha a beleza graciosa de uma
cigana livre. Gostava de dançar com os pés descalços e num desses sambas ela
descobriu a beleza agridoce dos seios de outra mulher. Em meio a gira, ela se
esbarrou com a mulher de vestido vermelho. Na troca de olhares, elas
compartilharam desejos, encontros. E foi assim que ela descobriu a imensidão do
colo de Iansã.
Sambaram como se não houvesse outra gente. Tocavam-se como se olhares
alheios nunca existissem. Elas apertaram os seios, beijaram-se nos lábios macios,
vermelhos. Eram unhas pintadas, era carne marcada, era arranhão e invasão.
Línguas perambulavam pelo corpo, mãos desvendavam marcas, cantos, orifícios. Em
meio aquela mata virgem, as duas descobriam o deflorar de sabores, texturas,
prazeres. Língua em volta de lábios, lábios em pescoços, carne apertada entre
dentes. Mãos em barriga, em cintura, nádegas e lábios, os grandes, os macios,
os secretos. Em cada suspiro um samba novo, em cada lambida um tilintar distinto
de nirvana. Os gemidos eram expressões de tempestades e trovões, sinalizavam o
arco-íris em alma, em demonstração. Duas mulheres se perderam na mata após um
samba de recôncavo. Nesses desvarios de não saberem onde estavam, longe dessa
censura chata de ser cisgênero, elas descobriram o prazer de serem ninfas,
deusas, encontros. E assim Cristina descobriu Jussara e mais uma vez valeu-se
da ventura de ser deusa, virgem e anciã, Padilha e Iansã.
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