Olhar no Salão - Entrega'

Derluh Dantas

As horas avançaram pela noite e as belas mulheres já estavam ébrias pelo álcool consumido, pela conversa caminhada, pelas lembranças, pelos desejos adormecidos, agora totalmente despertados. Cristina ria com o sabor de proibido daquele encontro, ela estava deixando sua própria censura de lado para experimentar o que sua alma ousava.
Conversaram um pouco mais e olharam o relógio de madeira e prata pendurado atrás do balcão. Uma hora e vinte e dois minutos da manhã, melhor partirem para seus recantos nesse mundo. Ao saírem do pub, resolveram caminhar um pouco mais pela pracinha pouco iluminada, era onde iriam pegar o táxi para irem embora. Na caminhada, uma chuva torrente caiu fina sobre o corpo quente daquelas mulheres, a ligação tênue, elétrica que existia entre elas em contato com a chuva fina, fez atiçar ainda mais a tensão envolvente entre as duas. Cristina ria com o sabor daquele encontro, a outra se assustava, mas não demonstrava temor ao seu desejo. Então, como a Marta já tinha tomado tantas iniciativas, Cristina resolveu puxar aquela mulher de cabelos rubros para perto de seu corpo e bailaram na chuva. Os seios se tocavam, as mãos acariciavam umas as outras, toque macio, quente, desejado. Cristina, em meio aos rodopios secretos na chuva, segurou a nuca daquela mulher e lançou um beijo terno, úmido e macio. As pernas se lançavam como se o som fosse quente, uma lambada, um tango, talvez. Elas foram tomadas por uma libido envolvente e intensa, queriam se tocar, se descobrir novamente.
Depois de alguns minutos de entrega e perigo na pracinha pouco iluminada, à sombra de um ipê florido, Cristina sussurra que deseja passar toda aquela noite em companhia da outra. Essa sorri e a convida para um hotel, no qual está hospedada – será que ela já esperava por essa possibilidade? Provavelmente, sim... Estava preparada para um encontro mais íntimo. As duas foram caminhando até o táxi mais próximo e foram ao seu ninho de amor. No carro, elas ainda tiveram a oportunidade de disfarçadamente tocarem as pernas uma da outra, roçarem panturrilha com panturrilha, os pés, cada parte do corpo que não denunciasse o desejo de ambas ao motorista atento as duas beldades em seu táxi, mas que alimentasse o prazer, a cobiça de uma sobre a outra.
Depois de alguns quilômetros percorridos e um silêncio que muito falava às duas, chegaram ao Grand Hotel Palace. Pagaram ao taxista e entraram pela grande porta de vidro com contornos dourados. No grande salão, Marta foi ao recepcionista para comunicar que estaria acompanhada e para saber se havia algum recado – outra coisa foi combinada, mas Cristina não conseguiu ouvir ou entender muito bem o que foi dito. Depois desse diálogo cordial, Marta chamou por Cristina e foram ao último elevador no canto esquerdo, tudo era bastante luxuoso, atraente. Marta passou um cartão, apertou o andar e uma senha, estava hospedada em uma suíte presidencial com um elevador particular. Ao entrarem à suíte, Cristina se encantou com uma área enorme e muito bem decorada. Uma mesa grande com belas flores, frutas. Marta ansiava por Cristina e a beijou intensamente, antes que essa pudesse olhar toda a suíte. Foram para o quarto, onde havia uma grande cama confortável e bela, cheia de pétalas de rosas vermelhas, com duas taças no criado mudo e um balde de gelo com duas garrafas fechadas de prosecco. Parecia um sonho luxuoso.
As duas começaram a se despir, enquanto os lábios não se afastavam, a língua percorria o pescoço, as pernas se entrelaçavam. Em questão de segundos já não havia mais nenhuma parte coberta. O corpo e a alma daquelas mulheres estavam nus, expostos, em completo contato. Marta pegou uma das garrafas de prosecco e despejou algumas gotas sobre os seios empinados de Cristina, lambendo-os com prazer e total cuidado logo em seguida... Cristina suspirava, enquanto suas mãos acariciavam os seios, as nádegas, a cintura de sua amante sedutora. Eram línguas, lambidas, pequenas, intensas, leves mordidas. Mãos que acariciavam a superfície do corpo, que percorriam, exploravam as entradas, a alma. Um total misto de prazer e entrega. O pecado da luxúria era um paraíso para aquelas duas almas em transe, paixão, em transa, em prazer, delírio.
O cheiro de uva com rosas envolvia o quarto formando uma névoa de frenesi. As duas mulheres estavam tão entregues e sensíveis à libido que exalavam um cheiro atraente e sinestésico às narinas, ao paladar, ao tato da outra. Começaram a percorrer cada pedaço do corpo com o toque leve da língua, em algumas regiões permitia-se mordiscadas, lambidas mais fortes e sucção. Bico dos seios, nádegas, cintura, pescoço, coxas, lábios úmidos, lábios molhados, os pequenos lábios, a boca, língua, os grandes. Elas começaram a penetrar o corpo da outra com a língua, apertando a cintura. A boca de uma encontrava os grandes, os pequenos lábios da outra – o clitóris era percorrido, sugado, delicadamente acariciado pela ágil língua da amante. Depois de muito sorverem o néctar saído da outra, ainda com o gosto na boca se beijaram, misturando os gostos, os cheiros, os delírios. Enquanto as bocas se juntavam e se entregavam ao bailar de línguas e sabores, os seios se apertavam, se entrechocavam num subir e descer entre si, seios, bicos, colo, seios. As pernas se entrelaçavam não mais se beijando apenas com duas bocas, eram quatro... Dois pares que se conectavam por completo, com total encontro, energia, entrega, prazer.
E foram até o amanhecer entre carícias, nirvanas do deleite, beijos, sussurros, delírios. As mulheres se amaram até o sol alto do meio dia. Amaram-se na luz sutil do abajur, no alaranjado do amanhecer, no sol alto do dia. Depois de tanto prazer, Cristina e Marta resolveram que era hora de se levantarem e enfrentarem o dia lá fora. Tomaram banho juntas, o que valeria mais um conto. As duas tomaram café da manhã em pleno meio dia, na própria suíte. Uma hora e meia da tarde Cristina se despediu com um beijo demorado e algumas lágrimas contidas nos olhos. Sentia que outro encontro daquele, com essa ruiva em particular, demoraria mais alguns ciclos. Contudo, na mente de Marta, já se passava planos de outros encontros... Assim se tem o fim de um olhar no salão e o inicio de outros contos da Cristina.

O fim?

Lembrando como fora antes do olhar no salão'


Derluh Dantas
Ao ver Cristina entrar pelo Pub, Marta pareceu se iluminar de uma aura serena e radiante. Não tinha como não percebê-la em meio aos outros, foi a primeira pessoa que Cristina cruzou o olhar ao passar por aquela porta de madeira escura, nobre e arqueada. Elas sorriram ainda à distância, pareciam dizer muito com apenas aquele olhar e sorriso. Sentaram no final do balcão e beberam, conversaram, se entregaram a magia daquele encontro. Enquanto palavras surgiam do diálogo doce, as mãos se chocavam, arrepios. Vez ou outra as pernas roçavam uma na outra, era como se ambas desejassem a outra por completo, despida, livre, entregue. Mas, havia se passado muito tempo desde a intimidade das duas, qual seria as intenções de ambas? Será que o corpo enganava a alma ou apenas demonstrava aquilo que o espírito ansiava em ter?
Em meio aos devaneios do diálogo, o passado foi trazido ao momento íntimo. Marta resolveu insinuar que não esquecera aquela noite depois dos estudos na biblioteca central da universidade. Cristina sorriu, se fez de desentendida, era a oportunidade de conhecer a intenção daquela bela mulher de cabelos rubros e boca carnuda. Assim, com o interesse insinuante de Cristina e a ousadia de Marta... Os fatos daquela primeira noite  de sensualidade e prazer das duas foram lembrados...
Aos leitores:
Cristina estava sentindo dificuldades com algumas matérias e acabara de começar a dividir o quarto com a nova aluna transferida. As duas foram alocadas ao mesmo dormitório por motivos escusos e desconhecidos. Cristina dividia com outra garota, mas esta a incomodava por de mais, era barulho noite e dia, contudo ela não reclamava. Um belo dia ao voltar para o apartamento depois das aulas, se deparou com Marta, uma mulher ruiva e atraente, com pouco mais de vinte anos e um jeito angelical no olhar. As duas não tiveram oportunidade de conversar muito, Marta já tinha outros compromissos, só se apresentaram, trocaram algumas palavras cordiais e foi assim durante toda a semana. Na sexta-feira, por volta das 17h, Cristina resolveu tirar o atraso dos estudos na biblioteca central da faculdade. Ficou por lá, entre livros e anotações até a uma da manhã, quando o vigia abandonava o turno e tinha que fechar as portas das áreas sociais. Enquanto se despedia do vigia, Cristina sentiu estar sendo observada, mas não se importou muito, deveras ser apenas impressão da noite de luar crescente. Ao subir as escadas que dava acesso ao seu apartamento, ela novamente sentiu que estava sendo seguida e resolveu adiantar o passo. Ao entrar abruptamente pelo dormitório, assustada, se deparou com a bela ruiva de camisola transparente, mostrando todas as suas curvas. A que dormia, despertou com um ar temeroso e de preocupação com a outra que chegara ofegante. Levantou-se, pegou um copo d’água no frigobar repleto de adesivos mimosos e tentou acalmar a moça assustada. Nesse intuito de acalmar a outra, elas acabaram se acariciando. Em meio às lágrimas, Cristina tomou o ímpeto de beijar a nova colega de quarto, no qual não foi repreendida, pelo contrário. As duas começaram um descobrir-se pelo corpo da outra, com toques, carícias, beijos e línguas. Elas começaram uma noite tórrida de entrega, amor e delírio. Apesar da falta de experiência das duas jovens, elas se entregaram ao instinto do desejo. As mãos acariciavam os seios, enquanto lábios e língua beijavam, lambia de forma leve o pescoço, o colo, os seios. As mãos roçavam, abriam caminhos por entre pernas cruzadas. Os pés se acariciavam uns aos outros. Ambas, pareciam amantes de anos. Não havia censura aos lábios, línguas, mãos, desejos... Era tudo liberdade, descoberta e prazer. Cristina sussurrava agradecimentos e elogios aos ouvidos de Marta, enquanto essa lambia, mordiscava e retribua a cada palavra dada. Dedos penetravam o corpo da outra, como se quanto mais dentro fosse, maior a conexão mágica de desejos e sentimentos entre as das duas. Beijavam-se demoradamente, beijos quentes, molhados, sensualmente libidinosos. Naquela noite o nirvana de prazer e de gozo foi acessado simetricamente nos corpos daquelas duas mulheres.
Toda essa cena foi lembrada por ambas num misto de nervoso, saudosismo, prazer e suspiros. Elas deixavam claro que não foi apenas uma noite que as tinham ligado uma a outra. Foi toda a magia que envolve o encontro dessas duas deusas femininas e sensuais. Apesar de todo o prazer envolvido, aquela fora a única noite que as duas se permitiram tamanha liberdade. Nesse momento, o diálogo despontou certo pesar nos olhos e palavras de ambas. Marta no dia seguinte se desculpou dizendo que aquilo não mais se repetiria, mesmo Cristina dizendo que havia sido maravilhoso e que adoraria que muitas recaídas como aquela acontecessem. Porém, Marta disse que não era lésbica, que tinha namorado e que as duas poderiam apenas ser amigas e nada mais. E assim foi, mesmo com algumas carícias trocadas no calar da noite, alguns beijos furtivos e outros tantos ‘encontros’ que apenas amigas não costumam experimentar. Elas nunca mais tiveram ou se permitiram o prazer como o sentido naquela primeira noite de luxúria e encontro.
Ao chegar nessa encruzilhada de palavras e sentidos, Cristina agora lembrara porque fez questão de apagar a Marta de sua memória. Não tinha muita paciência e destreza para lidar com pessoas que se limitam, se apegam e escapam pelos rótulos que lhe são auto-impostos ou aceitos. Mas, pagara para ver até onde aquele encontro e a ‘transformação’ da antiga companheira de quarto iria. Cristina, apesar da pouca paciência com pessoas ‘limitadas’, tinha certo prazer com desafios e jogos sensuais. Talvez, por isso tenha aceitado ser amiga íntima da Marta na época da faculdade e agora ter aceitado esse novo reencontro. Queria saber até onde iriam as possibilidades dessa energia que as envolve. Tomaram mais alguns Drinks e prosearam um tanto mais, sem cobranças, sem tiradas de dúvidas, acusações ou nada do tipo. Apenas, deixaram as palavras surgirem como encontro de duas almas amigas que se desejam e são livres do tempo e dos rótulos que um dia as afastaram.

[Continua...]

Não acho graça'

Derluh Dantas
Sendo clichê e entediante por mais uma vez e outras tantas ainda. Falaram algumas vezes do fim do mundo, que seria hoje, amanhã, daqui a um mês, não sei bem. Algumas pessoas se assustaram da primeira vez, outras desconsideraram de cara, alguns se aproveitaram para persuadir ‘fiéis’ e algumas só fizeram piadas: “open bar”, “arrebatamentos” e blá blá blá. Sendo sincero e refletindo sobre o fim do mundo, seria bom que todos acreditassem que realmente ele se acabará um dia ou já está nesse processo e de forma acelerada. As pessoas estão sem viver as perdas e fazem muitos danos ao mundo, aos outros, a si mesmas. Estive olhando da janela de casa e são homens maduros, heterossexuais e bem casados quase quebrando o pescoço, por meninas que são mais novas que suas filhas, as mesmas que eles seguram a mão para atravessarem a rua. Existem pessoas que têm dado mais valor a dez reais ou um aparelho celular, do que a vida de um pai que volta do trabalho com o saco de pão para sustento de sua família. Pessoas que em seus carros ‘turbinados’ passam dos limites e sobrevivem – inacreditavelmente – matam o pai, o filho e o tio de outra família – sem intenção de matar – afirma o advogado de defesa. É um tal de quem tem mais, quem ganha mais, quem está com a razão que todos parecem ter esquecido que realmente existe um fim, não apenas para o vizinho, o fim para cada um de nós, para todos nós. Sobre a invasão Zoombie? É estranho ir à rua e não saber quem daqueles bandidos engravatados irão proporcionar a morte de hoje. Sim, escolhemos governantes num aval de opções sujas, ralas, medíocres e eles acabam por reiterar o caos de nossas vidas. Sim, para mim, são ricos governantes que ‘criam e cultivam’ esse sistema de ‘Zombies’ faminto por violência, morte e sangue. É um ciclo vicioso que infelizmente os Maias previram, viveram... Mas, não acertaram o fim! – Ainda teremos mais alguns absurdos para sentirmos no cotidiano nosso de cada dia.

Depois do Olhar no Salão'

Derluh Dantas

Havia se passado muito tempo desde àquela festa. Cristina havia novamente esquecido da Marta, ela não ligou, não se fez presente. Em meio ao quarto, meio iluminado pela aquela luz alaranjada, Cristina resolveu re-mexer em álbuns antigos. Gostava de ver suas fotografias e lembrar-se das pessoas que já não se fazem presentes em seu contexto, mas foram essenciais para ela chegar até ali. Encontrou algumas fotos da Marta e se questionou o que será que acontecera para ela não ter ligado? Cristina, não era de esperar atitudes alheias, aprendera com o mundo que aquilo que se vai, não foi perdido, foi apenas prazer ou dor passageira. Ela sorriu lembrando-se do último encontro e um arrepio subiu pela sua espinha. Havia se passado dois meses... Dois meses que ela não pensava e não tinha contato algum com a Marta. Engraçado como algumas pessoas surgem da neblina do esquecimento e logo em seguida somem por ela de novo. Cristina deixou aqueles pensamentos junto com os álbuns, que agora eram guardados novamente no baú das recordações... Resolveu tomar um banho quente e deixar seus pensamentos ganharem dimensão em seu corpo. Enquanto se banhava, o seu celular tocou... Uma, duas, três ligações perdidas. Após o banho, Cristina pegou o celular e retornou ao número registrado, era a Marta convidado-a para um Drink. Ela sorriu diante do espelho – quanta coincidência envolve essas duas. 
Marta havia combinado de se encontrarem no True Colors – um Pub cultural, na Rua do Ouvidor, que ficava apenas a vinte minutos do apartamento da Cristina. Ela estava ansiosa por esse encontro, vestiu sua combinação branca de renda e um vestido justo e negro com um sobretudo cinza, era noite e ela estava se sentindo um pouco mais misteriosa que de costume. No Pub, Marta a esperava de camisa branca, terninho grafite, saia tubinho lisa e um scarpin roxo que contrastava com os tons sóbrios de sua roupa. Ambas haviam maneirado na maquiagem, batom vermelho-claro e olhos marcados de negros para acentuar o brilho no olhar das duas àquela noite. Apesar, de ser um encontro casual entre duas amigas antigas, a ansiedade povoava a alma daquelas mulheres.

O encontro ficará para outra parte do conto!

Bifurcação Marina' Parte II


Derluh Dantas
Mergulhou de olhos abertos naquela água salgada. Talvez, quisesse ver o mundo de outro ângulo, enxergar o que ainda não foi avistado. Talvez, em meio ao mergulho pudesse ser surpreendido por uma luz à razão e assim sairia do mar com a decisão tomada, com o vislumbre de outro caminho, da bifurcação e da mudança. Porém, foi surpreendido por uma luz no fundo, sem metáforas e foi tragado para outro mundo. Lá existiam seres meio humanos meio peixes. Eram os seres mitológicos chamados de sereias e tritões pelos humanos. Foi levado embora, inexplicavelmente conseguia respirar mesmo submerso no oceano profundo. Seus pés, suas pernas foram sofrendo mutações até virarem uma calda frondosa de tritão, eram muitas cores, respiração. Ele nadou, o que parecia mais velho veio apresentando-o aos demais moradores desconfiados daquele lugar. Aquele homem metade peixe sabia seu nome e parecia conhecer tudo sobre o novo sujeito. Aqueles seres intrigantes estavam assustados com o intruso. Mas, sabiam que tempo ido, tempo vindo, sempre surgia um novo morador para aquele lugar. Aquele estranho parecia ser diferente dos demais, dos que ali se encontravam há tempos e dos que chegavam vez ou outra prematuramente. Aquele estranho guardava uma pureza incomum no olhar. Talvez, ele ainda esteja confuso do porque estava naquele novo lugar e do como chegou até ali. Em sua mente vinham turbilhões de pensamentos e dúvidas... Mas, havia uma certeza: Ele estava vivo de outra forma, em outro lugar.

Bifurcação Marina' Parte I


Derluh Dantas
Sentou-se próximo ao mar, queria que as ondas o acertassem fazendo despertar para a vida. Ficou alguns minutos em silêncio, apenas ao som do mar e do vento. Deixou algumas lágrimas caírem por descuido, por saudades, por vontades mal resolvidas. Sorriu de alegria e para disfarçar a tristeza que apossara de seu ser. Não tinha muito do que reclamar até aquele momento, mas ainda assim se sentia faltoso, sentia como se uma parte de si faltasse por completo. Olhou para trás e viu algumas pessoas caminharem, algumas sorriam um sorriso tão sincero e outras uma máscara tão mal acertada. Viu a diversidade das cores para além do horizonte azul. Imaginou se naquela imensidão de possibilidades havia algo que realmente fosse seu, fosse para desabrochar o tempo, a própria vida. Não sentia caminhar, sentia-se apenas cansado das vezes que os olhos não abriram e foi surpreendido pelos acontecimentos torpes da vida. Não culpava ninguém, sabia das suas próprias responsabilidades. Pensou em levantar-se, sacudir a areia preso no corpo e provocar as próprias mudanças em sua história. Mas, ficou quieto, não sabia por onde começar. Mesmo próximo ao mar, mesmo com as ondas a provocarem calafrios e o som do vento e do mar, está completamente perdido aos acontecimentos de sua vida. Pensou em desistir de tudo e mergulhar àquela imensidão, não metaforicamente pensando... E pensando, lembrou da metáfora do mergulhar-se à vida. Levantou, espreguiçou-se e decidiu caminhar um pouco, talvez catar algumas conchinhas permitindo que as idéias lhe surjam. Sorriu mais uma vez pelo passado, não o de ontem, mas o de quando era criança e fazia planos de ser gente grande, de ser gente livre. Provavelmente, a criança que fora teria uma dúvida para aquele ser de marcas nos olhos: Por que não assume aquilo que se é e vai à luta daquilo que se quer? – Crianças sempre tão sinceras e práticas às próprias fantasias de desejos... Onde ele deixara sua criança? Caminhou mais um pouco à beira do mar, deixou as ondas o molhar por completo, depois de muito caminhar decidiu dar um mergulho...

De Moringa Leve'

Derluh Dantas
É madrugada e ele não consegue dormir. Roda no quarto como se pudesse dançar um samba de terreiro ali. O silêncio o envolve como uma bruma inebriante de som. Será que os Erês estão querendo brincar? Ele busca nas paredes azuis a sombra dos Eguns, mas ninguém parece querer acompanhar. Ele está sozinho em seu quarto, apenas o reflexo no espelho e alguns pensamentos soltos, que bailam no alto, ele não consegue alcançá-los para traçar uma companhia. Cristina parece que saiu para dançar em outro lugar, ela anda meio perdida da inspiração dele, ele a criou mulher livre e solta, não tem conseguido encontrá-la... Pensou em tecer sobre banho, mas enjoou só de pensar. Divagou um tanto mais e se perdeu entre os lençóis, pareceu cochilar. Mas, estava ainda acordado. Despertou com uma mariposa a fazer barulho em seu voo noturno desengonçado. E se falasse de revoltas, ímpetos de sua alma? Estava niilista de mais para isso. Estava tão entediante que se pudesse daria uma desculpa a si mesmo e sairia para um lugar onde não se encontrasse. Porém, o engenheiro de corpo e alma não pensou em separá-las quando a insuportabilidade fosse presente ou longínqua. Entre esses devaneios tolos, a mariposa sussurrou algo em seu ouvido, assustou o moço bobo, fez pular, girar... E tudo o que a mariposa disse foi:

 - Mesmo ma madrugada mais escura e silenciosa, tem uma magia peculiar a quem souber apreciar.

- Mariposa, deseja me tirar para dançar?

Ambos ficaram a rodar desengonçados e livres no quarto azul escuro. 

Calor de terça'

Derluh Dantas
Noite de terça e a temperatura é alta. O ventilador já não refresca, apenas atiça o vento inerte da sala, sem provocar brisas refrescantes, só um bafo quente. O corpo sua, a mente gira, sem criatividade ou inspiração para nada. Algumas imagens na tela iluminada, na televisão algumas cenas despercebidas. Há o barulho do ventilador, de algumas falas de transeuntes na rua... Sem som para ser levado à distração. Os pensamentos são abstratos, sem muito contraste ou cor. A fome começa a anunciar sua presença, burburinho no estomago. Algumas palavras surgem, mas nada muito digno de registro ou divulgação. Na cadeira vazia ao lado, a inspiração se levanta, vem em minha direção... Com suas mãos suaves, segura minha face, me beija os lábios, tornando-os úmidos. Acaricia minha fronte e se vai pelo escuro do corredor. Eu fico jogado ao sofá, sem compreender aquela visita ou sua manifestação. Volto ao abstrato de meus pensamentos, meus momentos, dias. Onde foi parar minha alma, andorinha? 

Encontro escorpiano'


Derluh Dantas
Ela dançava de olhos fechados, deixando que a música se conectasse diretamente com sua alma. Em outro ponto, ele cantava suas meias-verdades, deixava que sua vida se expressasse em sons e melodias. Ela era movimento, ele era som... Ela provocava a terra e ele modificava a textura do vento. Eram cores distintas em um mesmo ambiente. Um de escorpião, ela de aquário. Mesmo sendo tão diferente e contrastante um do outro, uma ligação foi feita naquele momento. Ela abriu os olhos justamente quando ele sorria pelo som e pelo olhar. Os dois se encantaram como a própria magia da musica que os envolviam. Era como uma fábula em que o som era uma deusa sedutora, como a própria Afrodite a juntar dois seres tão distintos em um desejo comum, desejo um do outro. Ele era casado e ela uma mulher de moral e liberdade impecáveis. Mas, não podiam negar aquele encanto simultâneo. Ele era infeliz na história antiga e ela fechada por completo ao passado ido. Ambos decidiram esperar, mas a melodia e a dança eram mais fortes que eles. Traíram os próprios princípios no salão de dança, não tinha como voltar. Ele separou-se e ela dançou um pouco mais. Ambos foram levados ao mudo de Alice, fazendo o País das Maravilhas um lugar ainda mais utópico e intocável. A dança e a música vivem lá desde que se sabe. E os amantes? Ninguém mais ouviu falar. 

Madalena Puta Cristina '?'

Derluh Dantas
Ela parou em frente aquela multidão. Todos pareciam estar carregados de pedras para atirarem nela assim que abrisse a boca para se defender. Pelas circunstâncias do momento e da cena, preferiu ficar calada, esperar pelo bom senso de um Deus que ouviu falar quando era criança.
O que fizera para chegar até ali? Ela não sabia muito bem. Sempre foi uma mulher de boa índole e de dignidade. Envolveu-se com alguns homens, homens que depois descobria não serem bons o suficiente para o que desejava. Ela não queria um dono, nem alguém que a batesse por não ter esquentado o feijão na hora certa. Ela beijou algumas mulheres ao longo da vida, não se envergonhava por isso. Gostava de roupas decotadas, quando se julgava bem para usá-las e usava roupas ‘comportadas’ para trabalhar. No trabalho, reivindicava ganhar o mesmo que seu colega de cargo. Não costumava baixar à testa, quando se julgava certa. Julgava-se – ela achava que só quem a conhecia suficientemente bem podia se arriscar nessa área, mas julgamentos eram pra ser pessoais e não a determinação do que era permitido ou não aos demais – assim pensava. Sempre foi muito autêntica e sincera em seus pensamentos e suas atitudes. Sinceridade essa, que surgia de grandes reflexões sobre sua vida e a realidade que vivenciava, conhecia, lia em literaturas e jornais.
De tanto ser ela mesma, chegou até aquele ponto. Pelas roupas decotadas os homens a viam como “chocolate mordido” e disponível a qualquer um. As mulheres, pelos beijos dados a outras mulheres, a via como uma pervertida sexual. Por não se subjugar, ao que chamaremos aqui de machismo, ela era tida como uma desvairada de ideais. Chegou, então, a hora do ‘Julgamento Final’... Todos estavam prontos para atirarem suas pedras e aquela mulher em silêncio pensava no quão bom é ser quem realmente se é. Mesmo com todas as pedradas possíveis, ela tinha em mente o tranquilo gozo de sua liberdade e das consequências ‘reais’ de seus atos, julgassem o que julgassem.
Então, quando a primeira pedra em palavra saiu da boca de alguém da multidão. Ela agradeceu por ser chamada de PUTA. A segunda foi LOUCA, novo agradecimento. Outra foi SAPATÃO, ela se orgulhou novamente. E foram tantas outras lançadas, apesar de serem palavras distintas, ela só ouvia: COERENTE, CORAJOSA E LIVRE CRISTINA. E as pedras lançadas se tornavam pétalas em sua alma livre, vívida!

Encanto do Ribeirinho Escorpiano'

Derluh Dantas
O rio estava caudaloso e o céu levemente acinzentado. Provavelmente, a tempestade se cansara daquele lugar, mas havia deixado marcas como prova de que passou por ali. O jovem sentou em uma grande raiz que rompia a terra e voltava alguns metros depois para dentro do solo. Naquele lugar onde sentara, podia ver o horizonte se abrindo em outras cores e ouvir o som estridente das águas daquele rio nada tranquilo. Mesmo o cenário parecendo melancólico e um pouco tormentoso, o rapaz se sentia em paz e parte daquela cena. Sua alma parecia brincar nas imagens que se formavam nas nuvens. Era como se a brisa fria fosse um carinho quente às suas próprias tormentas. No momento em que parecia se entregar ao niilismo do caminho, um ser surge à beira do rio. Era um homem de cabelos inchados, sorriso branco e olhos marcantes. A cor de sua pele contrastava bem ao céu azul com grandes manchas cinza. O homem tinha a pele escura como o desejo mais secreto daquele jovem que agora parecia ter acessado a tempestade que passara por ali. Sua alma que bailava, agora cambaleou, se confundiu com o desejo de posse, de liberdade, de libertinagem com a alma daquele belo Xangô. O jovem sorriu, escapando palavras de admiração não convencionais para um outro homem. O Xangô de vestes vermelhas sorriu e no olhar daquele jovem percebeu um sentimento distinto, não comum aos rompantes da floresta. A alma do jovem, ao voltar para o corpo acabou se chocando com o espírito do Xangô galante... Nesse choque de almas, os corpos acabaram por se esbarrarem em um abraço. E o desejo ‘de mais’ ficou pulsando em ambos os corações. Tempestade voltou em forma de saudade e o rio agora é cenário de esperança para novos encontros. Se bem que o rio era mar, o cenário desejo e a tempestade o tempo ou a distância entre os belos e distintos seres.

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