Derluh Dantas
Infelizmente, ainda dói, dilacera, faz
a alma ganhar um peso maior e não tenho como não pensar em justiça e também em
vingança. Eu ainda choro escondido no meu quarto, eu ainda tento silenciar meus
temores diante dos outros. Eu tenho tentado.
Eu tenho tentado ser uma pessoa melhor
a cada dia, tenho tentado não desejar o mal, tenho tentado não ser mais radical
ou chato... Mas, tá difícil. Meu olhar sobre o mundo tem um tom pessimista, uma
dor que não consigo amenizar com oração, com fé, com lápis de cor. Eu sei e
reconheço a maldade humana, sei que ela não tem limites, nós somos criativos
para o bem e para o mal, sem sombras de dúvidas.
Eu me lembro de que a primeira vez que
estudei sobre escravidão, eu chorei, me doeu muito e eu fiquei dias no quarto,
me desculpando por ser gente. Quando assisti Orações Para Bobby, Hotel Ruanda e
Meninos Não Choram, eu quis sair para o mundo e tentar ser ouvido, mostrar o
que eu pensava sobre esses recortes. Mas, não consegui sair do
quarto.
Eu lembro-me de muitas notícias de
violências, lembro-me de muitos relatos, de infinitas lágrimas, algumas são daqui
do lado, outras são do outro lado da fronteira, outras daqui de dentro de mim. Eu
poderia listar um compêndio de links e notícias sobre violências extremas, que
levou ao desaparecimento, morte, traumas... Eu poderia dizer do caso do menino de
oito anos de idade que foi morto pelo pai, porque a criança gostava de lavar
louças e não parecia muito máscula; caso do goleiro Bruno; poderia discorrer
sobre algumas representações políticas e seus discursos em homenagem a
torturadores, suas falas em tom jocoso e de ameaça à colega por ser mulher ou
ao outro por ser LGBT; poderia narrar às piadas que ouço nas filas de mercado,
nos transportes de lotação; poderia falar sobre o estupro de uma menor por mais
de trinta homens e de outros milhares dizendo que não foi estupro pelo
histórico da garota; falar de um homem que conseguiu “sozinho” acabar com mais
de 50 vidas e deixar centenas de pessoas sem saber o que sentir diante do fato,
além dos feridos; poderia falar da mulher negra que foi arrastada pelo carro da
Polícia Militar e morta por tiro; poderia discorrer sobre muitas histórias,
impossível você não se recordar de algumas... Mas, não.
Eu não quero curtidas (se merecesse
alguma), eu não quero concordâncias, eu estou apelando por ajuda. Eu preciso de
ajuda. Estou cansado de corrigir os amiguinhos sobre a acidez e o perigo em sua
“simples opinião”. Eu tenho me sentido exausto diante das piadas, dos discursos
‘divinos’ ou das ‘morais e bons costumes’. Não, não tem como falar de vida ou
dizer que você é em prol a ela, afirmando ou usando de atributos pejorativos para
os outros, isto é nocivo, isto sim não é saudável. Ainda que você não pegue
numa arma de fogo, na chibata, na faca afiada para desferir contra a vida de
alguém, alguns de seus posicionamentos podem estar legitimando a dor e/ou a
agressão.
Não importa se você é ou não de
religião b ou c, não me importa se você foi criado aprendendo que aquilo é
certo e aquilo outro não, não me importa se você busca salvação ou redenção dos
pecados próprios ou alheios. PARA! Minha vontade agora é falar palavrão, explicitar
mil e trezentas contradições em sua conduta e discurso... E assim começaríamos um
bate-boca idiota, eu tenho as minhas contradições e falhas, não sou perfeito,
longe disso. Porém, usar de argumento que todo mundo erra, que todo mundo tem
preconceito, que você aprendeu assim ou de outro jeito, não legitima essa sua
atitude violenta e arbitrária. Quer citar a Bíblia, leia completamente,
lembre-se de cada coisa dita, depois interprete, veja o que de fato é para
você, sobre você e onde e em qual momento a Bíblia te autentica ser supremo e
juiz da vida alheia, ou qualquer que seja a referência
social/religiosa/cultural. Caso algo te torne isso, ou pela sua fé, não esqueça
que supremacia e justiça não são fazer ao outro aquilo que eu acredito ser
melhor, não é apenas apontar o erro alheio e esquecer-se do próprio umbigo sujo,
isso pode ser considerado desvio moral e mental.
Não vou citar os culpados pelos tantos
crimes que vemos na TV, sabemos que não foi “eu”. Mas, será mesmo? Será que aquele
seu discurso inofensivo para a criança de cinco anos, no qual você diz “se ele
bater, mete a mão nele, você é menino” não coloca um grau de responsabilidade
diante dessa violência que vivemos? Será mesmo que os assassinos, suicidas,
assaltantes, estupradores, agressores não são incentivados e criados por nós? Quem
elegeu aquele deputado que diz que “bandido bom é bandido morto”? Caso ele
estivesse falando sozinho, teria essa repercussão toda? Hitler teria esse nome
na história se a humanidade compreendesse mesmo que estamos “em prol da vida”?
Se não existe racismo, porque será que o negro ainda nos causa medo numa rua
deserta e o branquinho lá pode ser uma paquera? Quer falar de violência(?), quer
dizer do choque sobre o fato(?), olha em volta e veja a sua contribuição para o
mundo ser esse caos violento e diário.
Estou cansado, estou desesperado e
sim, sou um tanto depressivo, chato, antissocial, mas o que tem me feito assim
são os comentários constantes acerca do “outro”, do porquê ele/ela é bandido,
do porquê ele/ela não é vítima mesmo diante de um atentado contra a sua integridade
física, mental, moral, contra a sua vida.
O meu pedido de ajuda, neste momento,
é para você se olhar diante do espelho, sozinho, e mediar uma conversa franca e
aberta com você mesmo, no intuito de responder duas perguntas básicas: o que eu
tenho feito por um mundo melhor? E se este melhor realmente poderia ser bom
para o mundo. Dicas:
1.
Empatia
– Conceito utilizado para representar a possibilidade de sair do próprio lugar
e se imaginar no lugar do outro; Oposto de ser o centro do mundo e detentor da
verdade absoluta, ninguém tem acesso completo ao outro;
2.
Respeito
– Valor humano que corresponde à possibilidade reflexiva e atitudinal em
compreender que há diversidade no mundo, e, portanto, a diversidade deve ser
protegida e expressada, ainda que não seja compatível com meu conjunto de
crenças, valores, limitações...; Oposto de “se é minha opinião, é verdade, é
absoluta, é incontestável”;
3.
Gentileza
– Ato ou ação de ser sensível, cuidadoso/cuidadosa, menos ríspido/ríspida,
delicado/delicada ao que tange cuidado, menos indiferente ao outro e a si mesmo,
um tanto mais amoroso/amorosa e afetuoso/afetuosa com o tratar, se relacionar e
lidar com as coisas e pessoas; Oposto de violento e rude;
4.
Amar
– Querer bem, compreender que há falhas e limitações nas pessoas e no mundo,
mesmo assim buscar e incentivar suas potencialidades. Compreender que as
pessoas, que a vida não é uma extensão pura e miúda da nossa vontade e vaidade,
sendo assim merece ser cuidada e acolhida como são, sempre buscando o melhor
dos envolvidos/envolvidas, bem comum. Oposto de propriedade e projeção.
5.
Liberdade
– entendimento que não estamos sozinhos no mundo, portanto nossas escolhas
estão condicionadas há um conjunto de possibilidades e dentre elas há
interferência no que está a nossa volta. Possibilidade de escolher o que for de
vontade própria, autonomia, escolha... Lembrando que toda e qualquer escolha há
consequências, até o fato de decidir por não escolher. Em 1 Coríntios 6:12, o apóstolo Paulo afirma: "Tudo
me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me
deixarei dominar por coisa alguma.", acrescento que, nem mesmo pela
minha sede de vingança; Oposto de “isso é o melhor para você”, cada pessoa sabe
no íntimo o que é melhor para si, não para o outro.
As lágrimas
já cristalizaram mais uma vez na alma, secaram no rosto e os olhos ainda estão
marejados... Sendo assim, quero apelar para você que chegou até aqui, uma vez
mais, não deixe de abraçar, de amar, de cuidar porque disseram que essa não é a
vontade do que quer que seja. Temos muitos motivos para nos chocar, para lutar,
para ser melhores, então você não precisa apontar o dedo para o outro, escolha
a sua batalha e tenta fazer isso não deslegitimando ou violando o direito à
vida e de existir do outro...
*Post scriptum: Às vezes tenho
vontade de ser um espião, um agente secreto de controle e incentivo ao respeito
e à diversidade, como o “V”, o protagonista de V for Vendetta.