Derluh Dantas
Eu pensei em romantizar, tentei
escrever algo leve e fingir uma beleza que infelizmente não consigo sentir.
Claro, as lutas diárias trazem consigo grandes avanços, merecemos “parabenizações”,
flores, chocolates, um dia do orgulho, uma parada ou uma semana tem
ática, sim! Merecemos
um olhar carinhoso e algumas mensagens de apoio. Merecemos isso, agradecemos e
também lamentamos.
Infelizmente, há estas
manifestações e momentos “temáticos”, não por vontade, mas como tentativa de
reparação, muito insuficiente, bem verdade. É bruto, mas homens, cis, héteros, cristãos,
brancos e com boas condições financeiras também sofrem violências por latrocínio,
assaltos, brigas de bar ou de torcidas, entre outros tantos motivos. Mas, os
outros, estes seres “inferiores” sofrem também por isso e por outros motivos,
pelo simples fato de serem como são, coisa que os supracitados não costumam
sofrer, mas sim costumam ser agentes do sofrimento alheio.
O número alarmente de violências
contra mulher, não exime as violências comuns a serem humanas e desta sociedade,
só acrescenta pra si o fato da mulher não ter os mesmos direitos e o respeito
que o gênero masculino, bem nascido, branco e fálico representa. Elas também
são assaltadas, também podem ser vítimas de uma briga de trânsito, de bar, de
torcidas... Mas, acrescente a isso o assédio diário, as cobranças, os mais
diversos papeis, os abusos sexuais e psicológicos por simplesmente serem do gênero
feminino. Temos as piadas e o machismo, que de tão naturalizadas ainda são
desculpas e escape quando o assunto merece o mínimo de respeito e espaço de
expressão e consideração.
Mulheres são mortas como os
homens, mas elas também são mortas e agredidas por serem mulheres. Isto
acontece com lésbicas, gays, trans, negros e negras, nordestinos, pessoas que
moram em guetos ou favelas, moradores de ruas, gordos, pessoas com algum tipo
de deficiência ou limitação e outras infinidades de características que parecem
pressuposto natural [para alguns] de exclusão e apagamento.
A gente, enquanto sociedade,
enquanto humanos, adoramos “puxar a sardinha” para nós mesmos. Aquele velho
ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”... Não sei se certo ou errado, mas
dia a dia estamos criando ondas de violência com desculpas absurdas de “meu
gosto, minha opinião, a vontade de Deus, a escolha errada dele/dela” e por aí
vai.
Eu queria ter mais clareza e
propriedade para falar de empoderamento de diferentes sujeitos vítimas desta
nossa sociedade e sistema tão caricato e hipócrita, mas eu começo a arder e
tremer de raiva, tristeza, caos. É muito difícil ouvir ou ler de seu amigo que
te conhece tão bem, falando que “negro se não suja na entrada, faz merda na
saída”, ou que o “viadinho gosta de apanhar mesmo, por isso escolheu ser essa
afetação” ou que “a pessoa nasce hétero e depois opta por outra coisa”. É
complicado ouvir na mesa, dos tios e dos primos que “mulher pra casar tem que
se dar o respeito, sim! E que se um deles visse a menina (menor de idade)
fazendo o que ele fez (beijar outro na frente dele) ele meteria a mão na cara dela”
e tudo certo. É difícil ver uma manchete de jornal que estampa o terreiro
apedrejado ou o gay com crânio afundado morto ou o casal de lésbicas que foram
estupradas para se tornarem “mulher” ou o negro que foi levado num porta malas
de um carro e torturado por policiais a paisana [entre outros] serem recebidos
pelo colega de trabalho, o parente em visita ou o “amigo legal” rindo e
dizendo, “se eles estavam brincando com Deus, mereciam até pior... foi castigo!”
Não! Infelizmente, eu não estou
inventando estas situações e tenho outras tantas pra contar ou narrar aqui.
Mas, vou parar... Minha alma é mais passional que meu corpo e meu corpo já
começa a somatizar a explosão. Sou intolerante diante a uma injustiça, sou
barraqueiro mesmo, sou polêmico, não... Não é pra chamar atenção pra mim, mas
pra mostrar que dói. Se dói pra você esta insegurança toda, imagine pra aquele
ou aquela na qual a SUA opinião é de ele/ela merecer castigo só por ela/ele
existir de tal forma? Imagine, se você sente uma dor insuportável ao se
imaginar grávida e perder um bebê, imagine pra uma mulher que deseja o aborto e
ainda é tratada como uma criminosa por isso... Não é fácil decidir-se por um aborto,
mas quando se faz, além de toda mobilização emocional e psicológica da escolha,
ainda tem que lidar com a “santa inquisição das pessoas de bem em prol a vida”.
Quantas coisas poderiam ser
ditas... A cabeça começa a doer, não sei pra quem mostrar. Porém, enquanto
estou no conforto da sala, escrevendo e devaneando estas palavras, existem
algumas pessoas lá fora sendo agredidas, não porque alguém deseja o que ela
tem, mas sim por serem como são. São expulsas de casa por causa de uma gravidez
indesejada que vai atrapalhar os estudos, como se a solidão e a insegurança da
rua fosse ajudar; ou porque gostam e desejam pessoas do mesmo sexo; ou porque
percebem a inabilidade em gerar uma criança e tentam chás abortivos, técnicas invasivas,
colocando em risco à própria vida e podendo ser condenadas pela sociedade e
pela justiça; aquela pessoa que por um acidente perdeu um membro – a sociedade
gosta de perfeição – e está pensando em suicídio, pois sabe que não conseguirá
ser como era... infinitas possibilidades.
Entenda, as dificuldades que os “normais”
passam, são iguais às que os outros podem passar, com o acréscimo de que os
outros ainda precisam defender o óbvio que é o direito de coexistir com “as
pessoas de bem e normais”.
Hoje, deixo aqui uma ínfima
memória e homenagem para as tantas pessoas que perderam e perdem a vida numa
batalha de defender e brigar pelo óbvio: TEMOS O DIREITO DE EXISTIR!
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