Derluh Dantas
A casa estava em silêncio esta noite, assim como minha alma. Todos
pareciam imersos na inércia da vida. Era ócio, maresia e solidão. Tudo como
antes, tudo sem tonalidade ou contraste. Tudo melancolia e imensidão. Eis que
um barulho insistente surge em minh’alma, faz brotar um sorriso espontâneo, faz
surgir outros pensamentos. A vida se inquieta, se empolga, era uma visita que
me surgia esta noite. Era Cristina. Com seus cabelos revoltos, os chicletes a
passear pela boca, um sorriso debochado e os pés descalços. A personagem de mim
veio ainda mais moleca e safada, dissimulando simpatia. Como eu queria ser ela
todo tempo. Engraçado, pela manhã senti vontade em ser rainha do baile, com
minha amiga Thiana de rei e uns tantos dramas de outro tempo. Cristina veio com
tantas conversas estranhas, que me provocou cócegas em lembranças de tempos que
ela nem existia, ou era por mim ainda desconhecida, exposta. Esta noite em
falta de tonalidade, minha personagem íntima tingiu tudo de vontade e ousadia.
Quero sair para dançar com a Cristina, só nós duas em um mar de sambas de roda,
axé, estripulias. Quero ser menino e menina, sem medo, sem causos, sem rotinas.
Quero ser Cristina!