Cristina, fim de quinta'


Derluh Dantas
A casa estava em silêncio esta noite, assim como minha alma. Todos pareciam imersos na inércia da vida. Era ócio, maresia e solidão. Tudo como antes, tudo sem tonalidade ou contraste. Tudo melancolia e imensidão. Eis que um barulho insistente surge em minh’alma, faz brotar um sorriso espontâneo, faz surgir outros pensamentos. A vida se inquieta, se empolga, era uma visita que me surgia esta noite. Era Cristina. Com seus cabelos revoltos, os chicletes a passear pela boca, um sorriso debochado e os pés descalços. A personagem de mim veio ainda mais moleca e safada, dissimulando simpatia. Como eu queria ser ela todo tempo. Engraçado, pela manhã senti vontade em ser rainha do baile, com minha amiga Thiana de rei e uns tantos dramas de outro tempo. Cristina veio com tantas conversas estranhas, que me provocou cócegas em lembranças de tempos que ela nem existia, ou era por mim ainda desconhecida, exposta. Esta noite em falta de tonalidade, minha personagem íntima tingiu tudo de vontade e ousadia. Quero sair para dançar com a Cristina, só nós duas em um mar de sambas de roda, axé, estripulias. Quero ser menino e menina, sem medo, sem causos, sem rotinas. Quero ser Cristina!

Pour couvrir notre corps'

Derluh Dantas
O céu não tinha cor anil, para onde teria ido aquele azul? As flores não desabrocharam e tudo era meio opaco e sem cor. Não era primavera nem verão... Que estação seria aquela? Não havia termômetro que conseguisse determina a temperatura.
As pessoas pareciam manequins de vitrines com máscaras muito nítidas, sem feição, sem brilho, lágrima ou sorriso. Tudo era brando, era calmo, era sem sentido. O único movimento era o de ondas na superfície, provocadas pelo amontoado de meus desejos em uma represa transbordante, que não deixava se quer uma gota transbordar. Era contradição.
O som era silêncio perturbador, ao menos aos meus ouvidos atentos ao nada. As mãos estavam inertes, buscavam o tato que parece impossível encontrar. A pele fria escondia uma alma quente, vibrante, que já não parecia está desperta naquele lugar. Eis que tudo era o mais completo vazio inundado de nada. Eis que era igual e rotina... Eis que o som começou a tocar:
“Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment”*
Assim as flores se sacudiram, provocaram novos movimentos, cores, sorrisos naquele lugar. A paz se tornou a presença de lágrimas, de risos, de lembranças. O não sentir não era possível. As almas todas ainda continham máscaras, mas algumas sangravam, outras tingiam a face de cores rubras... Era um tanto de cores a se experimentar. Tudo isso com música: Piaf sobre o amor, sobre o tempo, sobre a vida a declamar, deleitar:
“Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir”*

* Trechos da música Ne Me Quitte Pas de Jacques Brel, interprete Édith Piaf

Números dos 25'


Derluh Dantas
Havia marcas em seu rosto, calos em suas mãos... Havia denúncias de sua idade, de seu tempo ido nessa terra. Parecia um velho centenário, mas sua idade era apenas duas décadas mais cinco. Se perguntarem sobre amores, ele admitirá apenas os raros vividos no caminho, dois e mais um incerto encontro. Porém, acredita que sua história de amor ainda está por vir, já que acredita em um pra sempre que ainda não surgiu por aqui.
Sobre amigos, teve os melhores, pena que os caminhos foram distintos. Por vezes, se sente muito sozinho, acha que não tem com quem conversar... Mas, tem sete anjos lindos que sempre o surpreendem com presenças e carinhos. Anjos, ainda que sempre perto, estão distantes para a caminhada no fim da tarde e apreciar o pôr-do-sol de domingo.
- Foi isso que queria que eu ouvisse?
Não! Apenas, foram momentos tão inebriantes de sentidos, que acabei por distorcer o fato. Por admitir o dito.
Eu vi três senhores, três anciões, com marcas na pele, brincando de gude em frente à casa de um outro jovem senhor que via tudo com admiração. Os três jovens senhores tinham nas mãos marcas de toda uma vida de trabalho na terra, mas ainda assim tinham boa destreza ao jogar a pequena esfera de vidro contra as outras no chão. E os sorrisos, as gargalhadas que vi... Eram almas de eternas crianças em diversão.
Assim, esse é o dito que eu queria que ouvisse.

Mudando a varanda'


 Derluh Dantas
Estava sozinho no apartamento. Curtia a solidão e olhava, ficava tentando entender como aquele pequeno espaço podia guardar e conter tantas lembranças. Lembranças boas e umas tantas memórias borradas de informações que obteve nesses últimos tempos. Antes, ele acreditava que aquele conto de fadas era para sempre, até descobrir que o sempre tem um momento de fim, também. 
Desesperou-se com o conto de fadas desfeito, mas ficou feliz com as lembranças que seriam para sempre suas, aqueles sorrisos compartilhados, os olhares trocados e as maravilhosas carícias. Ele sabe que tudo aquilo foi maravilhoso, mas descobriu que havia outros naquele jogo sensual. 
Pois, sim, enquanto ele ofertava exclusividade e acreditava que era recíproca, depois de alguns meses pós-partida, ele descobriu algumas traições... Não relevantes agora, porém, o apartamento vazio estava sufocante de tantas memórias físicas: fotografias, cartas, o cheiro, as marcas na parede, nas fronhas, no espelho. Tudo o fazia voltar ao conto que não existe mais. Ele tem saudades, ele sente falta, sabe que o outro, talvez sinta, também... Saudade, nem sempre é desejo de volta, não tem como voltar ao paraíso desfeito. 
Hora de começar um rito em fogo, queimar as fotografias, borrar as tatuagens da alma, deixar as lembranças livres e libertar o coração para novas saudades. Assim, ele decidiu mudar a cor da varanda, o amarelo, agora fosco, será lixado e tingindo de outra cor... Cor essa ainda em discussão com as emoções e a solidão.

Entre Erros In-diretas'


Derluh Dantas
Um minuto... Estou sem palavras para descrever meu momento ou me faltam palavras que valham a pena serem ditas. Eu sinto saudades do que passou, sinto, até mesmo, certa falta daquilo que se foi. Mas, não me peçam para retroceder. Aqui onde estou não está muito bom, mas eu não voltaria para o antes de agora. Gosto das lembranças do que foi bom, mas não voltaria a elas, seria pesado para mim e para meu baú de memórias. Certo ou errado, acredito que sim. Eu gosto de acordar no meio da noite e ter o que pensar, gosto dos meus sonhos e planos, até daqueles impossíveis que ainda não vivi. Eu queria poder dizer que está tudo bem, sem essa coceira no meio da alma alertando que isso é uma mentira. Não tenho coragem de me apaixonar de novo, ainda que por segundos idos eu fique com o desejo de ser surpreendido no meio do caminho. Eu tenho desejado com certa veemência dinheiro e independência, acho que deve ser faíscas da vida adulta em um sistema puramente capitalista. Ainda acredito ter certo frescor juvenil, aquela vontade de revolução e de liberdade, mas meu corpo dói, minha alma se encolhe e nem mesmo minhas lágrimas se inquietam. Estou quieto, parado... Não quero voltar ao passado e nem tenho forças para me lançar ao desconhecido futuro. Então, depois dessas tortas palavras, eu elaboro de forma preguiçosa meu desejo: “Parem o mundo! Eu quero descer!”

Minhas novidades:


Derluh Dantas
Não encontrei meu emprego. Não fui descoberto por um bom amor e nem o descobri em uma esquina qualquer. Diria que os traços são negros no fundo branco. Tudo concreto, ilusório e desilusão. A inspiração tem me sido um efeito rápido e eufórico, sem tempo de elaborar uma apresentação. A poesia surge de uma fotografia de anjo-humano, das formas das ondas no mar, dos golfinhos rosa, vistos na travessia... Tudo introspectivo de mais para o público exigente. Tem um doido que se diz salvador das almas perdidas, outros doidos que só pensam no ritmo concorrente de uma loira, de uma morena ou de um careca com cachinhos. Eu estou no mundo, faço parte dele, mas não me sinto assim. Acho que estou meio fora do lugar, meio peça de lego em quebra-cabeça confuso. Mas, existem uns momentos de contrastes, momentos em que me sinto tão parte disso tudo, que me sufoco de sentidos. Por exemplo, o salvador divino me provoca náuseas, revolta e o mais puro ódio – sendo sincero – primeiro, por sermos colegas de profissão e segundo, por sermos considerados da mesma espécie – e por ele causar tanto dano usando-se da vulnerabilidade alheia e ainda rir alto, milionário. Eu sinto uma dor cortante, que me atravessa a alma e me faz estático, confuso. Revelaram-me meus maiores defeitos: sou dramático e previsível. Essas palavras não custam muito, não precisa desvalorizar! Ficarei em pensamentos...

Santa Pesquisa: