Do domingo'

Derluh Dantas

- Essas palavras não são sobre uma população ou para generalizações, estou apenas falando do meu olhar sobre o mundo.

O domingo é um dia mágico, mas pra isso é preciso desligar a televisão, tirar os olhos do celular, sair do sofá. No domingo, as crianças não estão na escola e se você conhecer alguma, a diversão está garantida: tem jogo de bola, tem picula, esconde-esconde, descobrir o mundo mágico do quintal ou até um maravilhoso “faz de conta”. Os adultos podem sentar em volta da mesa por mais tempo ... e conversar alto, rir, falar das besteiras que o ambiente de trabalho muitas vezes não permite. Sim! Pode haver algumas chateações, alguém falar ou fazer algo que te faz um tanto ferido, mas caso respire fundo e insista, a chateação se dissipa no segundo subsequente e ninguém ficará sem oportunidade de expressão e cura – isso vai depender da insistência de fala. Você pode descalçar os pés e sentir a terra ou grama fazendo cócegas nos dedos, se tiver oportunidade de praia... paraíso se faz presente. Caso chova, o domingo pode ser aquele lugar de reunir alguns amigos, abrir aquele vinho que já tinha sido esquecido no armário ou vai ali à mercearia da esquina, compra qualquer sangria pra esquentar o diálogo e algum salgadinho. No domingo você pode receber aquela visita que as esperanças já não existiam mais, caso ela não aconteça, você bem que pode ser a visita maravilhosa daquele amigo tão querido e que a atual rotina tem afastado do convívio.


Quase sempre meu domingo começa com meu despertar de um sonho maravilhoso, ele provoca saudades que eu achava já superadas. Domingo costuma me simbolizar nostalgia e falta, dia que o baú não se fecha e o pôr do sol é ainda mais poderoso e sentido que os outros. Domingo, o primeiro dia da semana, faz jus à primeira sílaba, é um dom... e pra todo grande Dom, faz preciso assumir os riscos e responsabilidades! Entendo que o caminho que optar será de sentidos intensos, seja pro bem, pro mal ou pro tédio que tanto reclamo aos domingos. Mas, não precisa me salvar desse domingo dos dias dos pais, foi um dia maravilhoso, de terra e mato. E mesmo com tantas farpas e palavras não ditas, brigas por besteiras do convívio ou divergências políticas, tenho uma família ambígua, diversa, vasta, maravilhosa e há amor paterno, tenho um ótimo pai. Domingo!

Lembrando e agora'

Lembrando...
Aquelas falas ficaram mais ou menos assim na memória:

“Seu coração é cigano, vai substituindo amores e paixões. Aposto que não ficará sozinho nem três meses e logo estará fazendo declarações de amor eterno de novo.”
“Você sufoca uma flor ainda em semente. São muitos cuidados, carinhos, não há broto que resista a tanto zelo.”
“Ainda é muito cedo pra isso. Acho que você estar mergulhando fundo demais por alguém que você nem conhece.”

Derluh Dantas
E agora...
O menino agora estava com seu baú aberto na beira do abismo. As mãos já não são tão macias, os olhos perderam um pouco do brilho. Os cabelos negros apresentam alguns traços brancos e a barba é um multicolorido desgrenhado e opaco. A melodia mudou o ritmo e os instrumentos musicais são mais cadenciados e suaves. As palavras ficaram escassas e muitas vezes o embate fica na confusão de pensamentos, nos lábios uma palavra qualquer apresenta uma concordância para evitar maiores danos [desnecessários]. Naquela música do “Velho e o Moço”, ele já não se encontra em nenhum dos lados. Tudo anda meio ralo, mas ele se tornou mais próprio, mais inteiro, mais sincero, até mais passional que de costume. Talvez, ele tenha aprendido a dor e prazer de ser sozinho e queira de vez em quando um intervalo disso, mas já não aceita qualquer ilusão ou mentira sincera. Na pista de dança, ele ainda fecha os olhos, mas os movimentos são mais decididos, as mãos são mais sutis, a voz já não se ouve em qualquer multidão – são raros os momentos de pista, mas há muita dança no reservado de seu quarto, quando ninguém está vendo. Acho que o tempo nos faz mais amante do silêncio, nem todo barulho é desejo, nem todo desejo vira som. Realmente, o menino que eu era se entregava nos mergulhos profundos, o coração era cigano, os amores e paixões eram livres para o terreno fértil que meus pensamentos me permitiam. Hoje parece diferente, o espelho já não varia tanto a imagem do sujeito que se olha, se desnuda, se mostra... Eu acho que já não fantasio tanto, tenho me tornado apenas uma fantasia distante de mim mesmo.

- Não há sequer uma mentira nas falas acima... Mas, não aceito qualquer condenação sobre minhas tentativas, apenas confesso que sinto falta das paixões e amores livres de regras temporais e morais, sinto extrema saudades e falta do ser cigano de meu coração. Infelizmente, hoje só tenho esse baú platônico de sentimentos não correspondidos e algumas cicatrizes luminosas na alma. E nunca fui do tipo de substituir amores, apenas vivi inteiramente cada um deles em seu próprio tempo.


- perdi a tranca do baú -
- as acusações não procedem -

Floresça!

Derluh Dantas
Eu tinha escrito outra coisa, mas em nada pareceu o que minha alma queria falar. Assim sendo, recomecei e esse é o produto do meio... Eu de frente para um rio que tem formas, movimentos e destinos de mar. De pés descalços e lágrimas nos olhos, na mente um samba próprio de duas porções mistas e difusas. Eu menino, eu mulher, eu bicho. Diante do rio ou do mar, minha força se desfaz em magia e minha fé se afigura em anjo sem gênero definido. Eu tenho medo, eu tenho fome, eu tenho defeitos que me tiram o sono. Diante do mantra e do meu disfarçado desespero, eu me descubro jardim, que mesmo aparente silêncio e fim, ainda cresço e luto pelas cores que me são de formação e direito. “Não precisa se envergonhar desse medo, pega ele nos braços e segue adiante. Mesmo que pareça escuro e perdido, assume a fé que te guarda e arrisca um passo de cada vez.” Assim, minha porção mãe carrega o menino que sou e sussurra em meu ouvido a necessidade de descanso e recomeçar/arriscar de algum jeito. Ao outro que encontro pelo caminho, ando meio isolado do mundo e de mim, mas não se sinta abandonada/o por mim, ainda lhe guardo em lembranças, sentimentos ou desejo e levo em meu peito um abraço apertado e querido, um colo e chamego.

Blessed be!

Santa Pesquisa: