elementos de inspiração'

Derluh Dantas
A madrugada chegou silenciosa e úmida. Lá fora, a chuva não cessa, mas diminuiu o tom de seu canto. E mesmo já cabendo o sono, eu ainda busco aquela música ouvida de relance no início da noite. A música, agora descoberta, toca insistente no quarto escuro. O desejo de se desfazer, virar nuvem e bailar junto ao som que se choca nas paredes azuis. Que desejo de mudar de forma, perder os limites, se desmanchar em sentidos.
“Ah! se a juventude que esta brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só pra ser um sonho
Daí então, quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria
E, depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse, eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz”¹
Não resistiria nem um pouco. Seria feito abraço e algodão doce, não me incomodaria em ser distração ou perdição. Quem sabe até eu fosse mais eu, depois de ter uma companhia que inspirasse tentativa, risco, ousadia. E como esquecer? A comida feita com tanto apreço e sem outro alguém pra degustar, se queixar da falta de sal ou elogiar a criatividade do arroz com ricota. Durante a noite, o filme “Sob o Sol de Toscana”² e os desejos que a vida insiste em mesclar com outros encantos e contos. Sem me desfazer do romance lido durante a tarde e do diálogo que mostrou: “portanto, manter a caixa fechada apenas mantém você no escuro, não o universo”³. E assim se desenhou uma sexta feira de muitos santos e encantos. A borboleta que fez visita e logo se apressou em voar. Da chuva que conseguiu uma brecha pelo telhado e molhou-me o meio da face, que me fez assustar e arrepiar. Talvez, você não entenda do que eu fale agora, mas é um retalho de uma sexta solitária e o jardim fértil ao amor brotar.
“Fica, oh brisa fica, pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim, queira ficar”¹
- Felicidade então seria –




Notas de Rodapé


¹ Letra da música “Eu e a Brisa” de Johnny Alf.

² “Sob o Sol de Toscana” - filme americano de comédia romântica de 2003, escrito, produzido e dirigido por Audrey Wells e estrelado por Diane Lane.


³ Fala da personagem Jane em “Will & Will: Um nome, um Destino”, romance de David Levithan e John Green, do ano de 2010.

Depois do ponto.

Derluh Dantas
Desculpas
Meu bolero anda meio borrado
O disco arranhou com meu silêncio
Meu desejo escapuliu pela janela
Agora eu grito
Peço um amor sem nome
Um sorriso brilhante e reluzente
Não quero compromisso,
Eu desejo
Intensidade do fugaz
Tenaz
Encontro intenso.
Quero fogos,
Balões.
Não me julgue,
Estou cansado de artifícios.
Quero só voo e brilho
Se quiser ‘para sempre’
Chegue e faça ninho
Há negociação
Só não me peça seriedade
Como disse:

Quero riso!

Que tem de mais no 13 de maio...

Derluh Dantas
Nossa cor
Disseram que era imoral e impura.
Mal sabem da noite
Da necessidade do escuro.
Nossa religião
Perseguiram, disseram que era do demônio
Impuseram sua salvação.
Da nossa cultura,
Chamaram de bruta e pré-histórica
Esqueceram-se de onde vieram os humanos
Seus utensílios e ritos,
A sua própria história.
Antigamente usaram ciência e religião
Para justificar que éramos inferiores
Dignos de escravização e exploração.
Servos do senhor branco.
Agora que conquistamos mais espaços
Eles tentam nos retroceder, dizem que o crime tem cor
Que somos naturalmente violentos e imorais
Nada sabem de justiça e história
Parecem idiotas em folhas brancas e pardas
Há até folhas negras querendo ser alvas
De tão lineares e rasas
Não foram usadas pelo dom da criação.
Papel costuma ter valor,
Quando rabiscado e escrito
Marcado pelo poder de sua luta
Potência de seu grito.
Hoje não comemoro a assinatura
Mas, lembro-me dos meus ancestrais
Daqueles que não são Tias Anastácia,
Nem Tios Barnabé.
Comemoro os que fizeram resistência e revolução.
São os Quilombolas e capoeiristas
A umbanda e o candomblé
O 13 de maio é uma falácia.
Respeitem meu cabelo,
Minha pele e seu tom.
Respeitem meus ritos,
Minhas crenças e minhas contas
O canto que entoa em minha alma
E minha casa
Deixem-me ocupar os espaços
Os públicos e privados,
Sou membro ativo dessa nacionalidade.
Negro e digno de respeito
Direito e representatividade.
Nunca fui escravo,
Sim, fui escravizado pela brutalidade branca
Pelo dominador corrupto e imoral.

Por enquanto, tem mais.

Verde idade'

Derluh Dantas
A cada dia ele se aproximava,
Deixava um botão de flor e uma poesia
O botão era cravado na terra
A poesia em guardanapo usado.
Seus lábios sempre denunciavam um sorriso
Mas, seus dentes nunca surgiam
Como as palavras
Aquelas que escapuliam pela sua íris
E não eram ditas pelos seus lábios.
A sua língua era um mistério
A poesia sempre de outro autor.
A curiosidade alheia começava a aumentar
O que queria aquele sujeito?
Seria um ensaio tolo de amor?
O sujeito permanecia em seu ritual
Todos os dias, ele surgia com a flor e a poesia
Mas, não conseguia sua prece, seu intento
Surpreender aqueles olhinhos marejados
Aqueles olhos que faziam questão de não percebê-lo,
E chorava por outro amor, um mal correspondido.
Mas, ele sabia que sua magia era perigosa
E sua alma se alimentava daquele jogo de fé e esperança
Até que um dia,
...
Ele não mais apareceu na pracinha.

Aquele (des)conhecido!

Derluh Dantas
Não, não existe esse jogo com tantas regras e limites estipulados. Não há uma cor específica, um jeito único, um cheiro próprio, algo que seja universal e incondicional. Acredito que quando o sentimento é sincero e legítimo, subverte essa lógica tão bem implantada de nosso sistema, quando é pra ser não há competição. Cabe o aceitar ou o fingir que não está ali. Mas, não é uma contracorrente de técnicas e trejeitos. Amar é saber encontrar aquilo que se deseja no espontâneo, no sutil, no explícito. Não há adjetivos para o amor, ele é por si só totalidade. Se é preciso inventar verdades, dissimular mentiras, criar outras histórias, julgo que não há amor. Eu acredito que o amor seja o encontro, encontrar com aquele “eu” que a gente tem medo de assumir. Amar, amar é saber que há defeitos grandiosos e umas tantas qualidades duvidosas ou ambíguas e mesmo assim se sentir inteiro e em sorriso. Há quem ache que há um livro que determine o amor válido ou inadequado, há quem acredite que existem pressupostos para ser ou não ser considerado amor. Porém, quem pode saber? Quem teria esse dom de conhecer cada cosmo, cada variação, cada possibilidade? Se houve esse alguém ou se há, quem poderia conseguir ler todas as suas anotações, considerações, exceções, detalhes? Quem poderia entender? Paremos por um segundo, olhe em volta, o que está fora do lugar? O que excede pela borda de nossa existência? Em minha sincera opinião, as pessoas inventaram tantas regras, teorias, tecnologias, significados, que se perderam da empatia, do respeito, do natural, do comum. Tanto faz se seu amor é de dois, três, mil... Que importa a cor do cabelo ou o tom de pele? Não deveria importa a fé ou religião, quanto mede o diâmetro de seu abdômen ou se há vírgulas ou não. O amor, ele é liberdade, ele é revolução. E se você discorda do que eu digo, isso é legítimo. O que eu sei sobre amar? Sei pouco, eu prefiro permitir a diversidade de sentidos, do que me esgotar em tentar encontrar limites.


Ah! O que eu disse?! Deixa pra lá...
Seja livre para sentir, para amar.

Fonte da imagem: http://nu.alem.art.br/
Projeto belíssimo.

Santa Pesquisa: