Falando sobre o Azul ser mais quente'

Derluh Dantas
Preciso alertá-lo, haverá alguns clichês, não se ofenda com eles, apenas o aprecie se for de algum grado. Outro alerta que cabe, sinceramente tenho perdido o tom sutil das palavras, se algum dia eu já tive, bem verdade. Se antes eu poderia me valer da máxima de ser uma puta das palavras e da inspiração, esta puta que vos fala, provavelmente, perdeu suas formas, sua sedução. Mas, vamos ao que interessa:

Uma amiga tinha me indicado um filme, com certa resistência pela qualidade do arquivo fui deixando pra depois. Tenho me tornado um tanto mais cinza do que me suporto ser. Tenho me escondido no silêncio sem formas, sem cor. Em meio a essa rotina de tons pastéis, um dia resolvi arriscar o filme indicado. Assisti. O filme é simplesmente maravilhoso, sincero, decepcionante.
Maravilhoso pelas imagens, pelos lábios semicerrados e o olhar lânguido, apático, quase triste mesmo com a boca desenhada em um sorriso. Maravilhoso, por ter me atravessado de forma intensa, quente. Eu suei, eu tremi, eu tive medo e continuei assistindo.
Sincero. Sincero pelo enredo, pela história, pelo desencadear dos acontecimentos. No filme, algumas pessoas surgem como nossa salvação, mas não passam de um encontro e tão logo somem no desenrolar das histórias. Outras pessoas que achamos ser pra sempre, em um deslize, em uma nudez, em uma forma sincera que nos apresentamos simplesmente se acham ofendidas e vão embora. E há aquelas, aquelas pessoas que se ganham dias, semanas, infinidades de momentos, lembranças, sorrisos, expectativas, lágrimas... Com a simples e sincera forma que são, sejam cabelos negros, acajus, loiros, ruivos, azuis.
Sincero por representar tão bem a realidade do paraíso, um deslize qualquer e somos expulsos dele sem volta. Pelo deslize, entenda como responsabilidades das partes, não apenas a culpa de um.
Decepcionante [Suspiro profundo]. Decepcionante. É estranho saber que não controlamos nada e mesmo assim, algumas tentativas, se não imediatas, nos colocam naquele final de “poderia ter sido, mas não foi”. O filme me causou um misto de sentimentos. - Como não sorrir ao perceber as nossas falas encantadas e bobas, diante do nosso maior desejo? – lembrando que, desejo antes totalmente desconhecido.
As cenas de sexo... Sim, nobre leitor! Enquanto alguns discutem o beijo no horário nobre da TV aberta do Brasil... Se a presidente é a favor de seu povo ou de alguma Igreja hipócrita qualquer, ou moral, que seja... O filme assistido trazia o sexo. Aquele sexo rápido, com gozo fugaz, depois de um programinha qualquer. Porém, havia aquele sublime, de orgasmos múltiplos, de toque, de beijo, de nudez, de sexos.
Sobre o enredo?! Duas garotas, uma se achando mulher madura, a outra uma imatura qualquer... Mas, em meio ao jogo formado, a imatura mostrou-se experiente e a madura um tanto magoada, confusa, desafiada. Assim como a vida nos é tantas vezes. Em cada cena, em cada pequeno detalhe, não pude evitar os contrapontos da realidade, o fato cruel da rotina entediante, previsível, rompida, inesperada.
São muitos adjetivos, bem verdade! Não posso evitar. Numa cena de sexo, tive que ligar para amiga. Aos ímpetos de quem estava totalmente envolvido, elogiei a indicação, a atuação, o filme e a questionei se o sexo dela seria assim, especificamente como aquela cena, a primeira experiência de encontro com o olhar mais desejado. Não pude evitar, até o título não me deixa dúvidas: “AZUL É A COR MAIS QUENTE” ou como o bom título original, que já causa pequenos lampejos de orgasmo só pela sonoridade do feito: LE BLEU EST UNE COULEUR CHAUDE” ou LA VIE D’ADÈLE.
Não consigo dizer qual personagem me chama mais atenção. De fato pareço-me um tanto com Adèle, eu me perco em trocas de olhares. Mas, quanto ao relacionamento, sou um misto sincero e despudorado de Adèle e Emma. Sou aquele que busca por mais amor, mais atenção, sou o que chora por tudo. Em contrapartida, sou o que espera, o que dorme aos beijos, o que observa de longe, o que perdoa, porém prefere se afastar se julga ser o melhor para as partes.
O filme simplesmente me causou esse frenesi, estou suando de um calor que começa de dentro, de baixo, de uma extremidade que não tenho. Desejei novamente ser outros personagens, me encantei com a sinceridade de cada personagem que surgiu, que coloriu ainda mais o azul, o quente, a vida de Adèle: a mãe orgulhosa da filha, independente da cor de seu cabelo, do seu gênio difícil, da sua forma de amar; a adolescente que cede aos caprichos de um garoto qualquer, desejado por muitos, mas mesmo com todos dizendo que ele era o melhor, ela sente uma falta, um vazio, uma dor; a menina que se sente mulher, que tem cabelos curtos, que pinta de vários cores, que expõe arte ao se assumir; os pais que fingem não ver, não saber, não ouvir e comem a macarronada comum, como o único ritual familiar que restou; aqueles personagens que vez ou outra lembramos o nome, lembramos uns fatos, mas já não estão mais em cena, já não aparecem mais; ou outros que nos sentimos ameaçados, sem saber o porquê, no virar de uma esquina vemo-nos com aquele que se deseja pra si; o sexo perfeito, mas que acaba e deixa pesadelos no meio da noite, que faz os outros, se tornarem apenas mais um, apenas outros; personagens sensivelmente sinceros, reais, despidos.
Eu poderia tecer um artigo de muitas laudas e ainda assim não supriria essa angustia, essa torrente de palavras que o filme estar por me provocar. São mais de duas horas, que EU não senti passar e ao fim desejei um pouco mais. O que será de Adèle? E seu vestido azul? Suas unhas vermelhas, seus olhos melancólicos, sua alteridade, o que virá a seguir? O que acontece enquanto os créditos sobem? O que aconteceu com cada personagem? E o rapaz que vira a esquina errada? E aquela dança, era mesmo desengonçada ou era sua beleza sem fim? Fim?

Sobre dados técnicos do filme: primeiro uma história em quadrinhos para adulto, Le bleu est une couleur chaude, lançado em 2010 na França. A obra, escrita e desenhada pela francesa Julie Maroh, serviu de inspiração para o longa vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, La vie d’Adele (Azul é a cor mais quente) do diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche.
“Desde a estreia em Cannes, onde foi bem recebido, o filme causou alvoroço por conter longas e picantes cenas de sexo protagonizadas por Adèle Exarchopoulos, atriz que interpreta Adèle – a Clémentine dos quadrinhos – e Léa Seydoux, que vive Emma.” (trecho retirado de http://revistacult.uol.com.br/home/2013/11/azul-e-a-cor-mais-quente/. Acesso em janeiro de 2014).

Resumindo o que eu poderia ter dito em poucas palavras apenas: “Este é o filme que quero para mim, que indico, que suspiro, que gozo em múltiplas formas, sentidos, cores e sim, não há como negar que o Azul é a cor mais quente.”



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